Não tem o que discutir, não dá para discutir. A regra 16.1.13.1 da World Aquatics é explícita e clara, temperatura da água das competições de natação devem estar entre 25 a 28 graus Celsius. (link)

Qualquer outra coisa que não seja isso, está errado! Também não serve como argumento que já tivemos competições internacionais com o Pan de Santo Domingo 2003, ou os Jogos Olímpicos de Atenas 2004, ou o Mundial de Curta de Beijing 2006 ou ainda o famoso Mundial de Roma 2009, onde tivemos variações fora das regras estabelecidas, não interessa, segue errado.

Até mesmo neste final de semana, tivemos um torneio invitational no Mona Plummer Aquatic Center na quentíssima Tempe, na faculdade Arizona State University, onde Regan Smith quebrou o recorde americano e se tornando na quarta melhor nadadora da história dos 200 metros borboleta com 2:03.87. A água passava dos 28 graus e fora dela fazia 37, não interessa, errado.

Assim, qualquer referência a este fato é totalmente justificável e plausível. Nada melhor do que a Comissão de Atletas da CBDA ter emitido de forma oficial um documento expressando a sua posição a respeito. (imagem abaixo)

Aqui precisamos dar um contexto até mesmo global neste sentido. Uma vez, conversando com um estudioso do movimento olímpico, Jens Sejer Andersen, dinamarquês que ocupa a direção internacional da entidade Play the Game, quando veio ao Brasil a convite da Sou do Esporte e me confirmava a impressão do nosso país estar a frente do mundo, vanguarda mesmo. Seja na participação, ou presença e voto dos atletas nas estruturas e gestão de entidades esportivas do país. Estamos muito bem mesmo!

Foi assim que foi criada a Comissão de Atletas com 14 integrantes (6 da natação) desde a Assembleia da CBDA de 2019. Em gestões anteriores, isso não existia, e quando pressionado pelo COB até chegou a “indicar” um representante dos atletas coisa que acabou sendo revista (e imposta por decisão judicial) a obrigatoriedade da eleição pelos próprios para indicar os seus escolhidos.

O comunicado publicado pela CACBDA é legítimo. Mesmo que a grande maioria dos 545 atletas de 75 clubes presentes ao Troféu Brasil não tenha sido consultado pelo teor do comunicado de nada invalida o documento, pois se trata de uma representação que existe para defender o interesse dos atletas. Mesmo que algum atleta possa ter opinião ou posição distinta da apresentada no documento, a autoridade da CACBDA permite a emissão de tal.

Todos podem ter sua opinião e, até que sejam distintas, precisam ser ouvidas e respeitadas. Tive acesso ainda no sábado da formatação do documento e até mesmo das discussões que precederam a sua publicação. Tudo é válido, até mesmo as discordâncias, mas principalmente a essência e o objetivo disso.

O texto do regimento interno da CACBDA diz “…que têm por missão representar os Atletas perante a CBDA, fortalecendo os laços de comunicação e interação entre as partes, sendo responsável por representar os atletas dos esportes administrados pela CBDA nas reuniões da Diretoria e nas Assembléias Gerais.”.

Reconhecendo esta vanguarda de participação dos atletas nas entidades esportivas do Brasil, ainda consigo identificar que estamos longe de usufruir desta oportunidade. Até entendo que combinar as demandas de treinamento, especialmente em alto rendimento, com estas funções, não deve ser fácil. Mas na eleição da atual gestão, em dezembro de 2020, no Rio de Janeiro, apenas três dos 12 integrantes (2 pediram desligamento) estavam presentes. Este ano, a Assembleia Geral Ordinária foi em Recife e nenhum esteve presente. Mesmo que os argumentos de que um deslocamento determina custos, as Assembleias Gerais Ordinárias de 2021 e 2022 foram virtuais, na primeira ninguém apareceu, na segunda apenas Hugo Parisi dos saltos ornamentais. Nestas assembleias, importantes discussões acontecem, e atletas, por estatuto, tem voz e voto.

O atual mandato da Comissão termina em dezembro. Antes disso, durante o Troféu José Finkel, em São Paulo, teremos eleição. É mais uma oportunidade de reforçar a importância da classe nas discussões e decisões do esporte aquático no Brasil.

Da mesma forma que acho totalmente justificável a reinvidicação de condições melhores para a execução da Seletiva (temperatura da água), não consigo encontrar relação com a citação do “score board falhando em diversos momentos”. Em cinco dias de competição, 41 provas, centenas de séries, milhares de tempos aferidos dos 545 nadadores que pularam na água, todos, sem exceção, todos os tempos foram registrados de forma correta e pelo sistema eletrônico.

Nenhum atleta, nenhuma equipe, em qualquer série ou prova teve seu resultado não cronometrado de forma adequada. O fato do placar não mostrar o resultado de duas finais dos concorridíssimos 100 metros nado livre é péssimo, mas não há qualquer relação com performance afetada ou prejuízo aos participantes. Nem vamos entrar no mérito do que realmente aconteceu, as descargas elétricas e até incêndio, mas isso não tem qualquer prejuízo aos nadadores. É uma crítica inócua.

A menção ao fato da piscina de aquecimento “sem uma piscina de soltura adequada” a mim, me parece sem sentido. Vivemos em um país de dimensão continental, e temos apenas dois centros aquáticos que possuem duas piscinas de 50 metros. Todos os demais tem a mesma, ou pior, condição de soltura. Uma piscina de 25 metros por 12,5 metros, raiada e com bloco de partida, não pode ser assim considerada. Quem esteve no Mare Nostrum de Barcelona sabe disso, e até a nossa seleção que vai ao Sette Colli na Itália, vai ter o mesmo tipo de condição.

É fato que a temperatura da água da piscina de soltura estava tão quente como a de competição, e isso sim, é um erro que não pode acontecer.

A CBDA vai (e deve) responder a Comissão de Atletas. Vivemos em uma outra era, é uma nova fase. Não muito tempo atrás, tais manifestações representariam ameaças, perda de patrocínios e retirada de seus treinadores da Seleção Brasileira.

Não mais, nunca mais.

Precisamos ser efetivos e diretos no reparo e ajuste do que realmente tem de ser criticado e corrigido. O local do Troféu José Finkel vem sendo discutido há vários meses com a direção do Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo. Mas vivemos uma era de contratos, responsabilidades e compromissos. Isso demanda tempo. Mesmo assim, não consigo identificar que este atraso tenha ação negativa ou impacto nos atletas. Lembrem-se que estamos vivenciando isso também na World Aquatics, ainda mais durante e depois da Pandemia.

A própria data da Seletiva Olímpica é apontada como não informada no documento. Esta data (3 a 8 de junho de 2024), foi aprovada pelo Conselho Técnico Nacional de Alto Rendimento em 17 de agosto e referendada pela Assembleia Geral da CBDA em 11 de outubro do ano passado!

É lógico que ainda pode ser revista, especialmente pois o próprio Conselho deliberou que a Seletiva deste ano serviria como um “laboratório” para a nova proposta de trazer a data da sua realização para mais próximo do objetivo final. Este ano, foram 49 dias antes do Mundial de Fukuoka, para o próximo ano, serão 48 dias antes dos Jogos de Paris.

Isso está definido e multiplas vezes publicado. Pode mudar? Pode, e o motivo para isso é até mesmo a busca pelos melhores resultados. A oportunidade de testar esta modificação de uma temporada mais longa foi colocada este ano para ser definitivamente aplicada na próxima temporada.

Isso foi o que a Austrália fez ao instituir o “late trials” em 2017 para servir de processo a ser seguido para Tóquio 2020 e que segue para Paris 2024. Os canadenses vão fazer a mesma coisa, começando em 2025 para Los Angeles 2028.

Crítica é algo bom, faz a gente repensar, redirecionar, e principalmente corrigir. Da mesma forma, quem trabalha com gestão tem de saber lidar com elas. A organização da Federação Aquática de Pernambuco, Governo de Pernambuco e CBDA por mais esforço que tenham feito vão precisar acolher o que está sendo apresentado. É só assim que vamos crescer.

O Troféu Brasil 2023 teve inúmeras coisas boas. O Centro Aquático Santos Dumont é fantástico, tem a melhor iluminação de centros aquáticos do país, uma arquibancada gigante e que esteve lotada nos cinco dias. Com premiação de qualidade e até mesmo as simpáticas tartaruguinhas serão guardadas com carinho. Os atletas foram muito bem acolhidos e naquele calor (infernal ou maravilhoso você escolhe) tinham água a sua disposição, isso não se vê em nenhuma competição no país.

Também foi a oportunidade de colocar a natação em diferentes plataformas. O mundo digital ampliado e buscando novos mercados. Estamos saindo da bolha e isso é muito bom.

No final das contas, sempre haverá críticas. É o ônus de quem quer fazer, quem não quer, apenas critica. A natação brasileira sai fortalecida de Recife, nossas Seleções com a responsabilidade de representar o país lá fora e todos engajados em fazer o esporte melhor.

O que está errado, está errado, e precisa ser corrigido.

Alex Pussieldi, editor chefe da Best Swimming.

 

Veja aqui a nota oficial da CACBDA