Autor • Plínio Rocha
Fonte • Best Swimming/Diário São Paulo

 

“O conto de fadas se transformou em um pesadelo.”

A frase é de Ian Thorpe, depois que não conseguiu se classificar para disputar os 200m livre na Olimpíada de Londres-2012. Foi dita na semana passada, durante a seletiva australiana. Ele ainda tentaria a vaga nos 100m, mas também fracassou.

Assim, o maior nadador da história da Austrália, e um dos maiores da história do próprio esporte, baixou a cabeça e lamentou. Um ano antes, anunciou que estava interrompendo a aposentadoria para tentar a vaga para os Jogos. Alimentou não apenas um sonho pessoal, mas o de milhares, milhões de pessoas espalhadas pelo mundo.

Seja ou não um aficionado por natação, é legal ver um sujeito como Thorpe nadar. Competir. Caras assim não aparecem do dia para a noite. Quando era um garoto, ganhando medalha de ouro em Mundial aos 15 anos, assombrou o mundo. Fez isso 11 vezes, ao longo da carreira. Além das cinco olímpicas. Não dá pra dizer que o sujeito é apenas mais um.

Mas ao pesadelo…

O Thorpedo (um dos apelidos mais legais que já se criou, diga-se, no casamento perfeito de um nome com aquilo que o cara faz e representou) estava, ao que consta, treinando muito. E se decepcionando pela falta de resultados. Nada mais natural. Mas a esperança eram, mesmo, as seletivas. E quando a coisa naufragou, o conto de fadas, de fato, virou um pesadelo.

Mas não apenas para ele, por mais, claro, que seja quem mais sentiu a tentativa frustrada.

Não há quem não estivesse torcendo pelo sucesso dele. Exceção feita, evidentemente, àqueles que brigavam pelas vagas com ele. Mesmo assim, há o sentimento, a sensação de saber quem estava na raia ao lado. James Magnussen, com a vaga mais do que certa nos 100m livre – e só! -, resumiu bem isso. Disse que era triste saber que Thorpe não estaria na equipe olímpica. Era triste ver um cara que conquistou o que ele conquistou deixar o centro aquático de cabeça baixa. Um cara que motivou suas braçadas, que fez com que muita gente vibrasse e quisesse ser mais do que era na Austrália. Mais do que poderia ser, até, às vezes.

Mas é o ciclo da vida, da carreira dos atletas, você vai dizer. É verdade. Poucas pessoas têm a sabedoria, e a possiblidade, de parar no auge. É uma decisão difícil de ser tomada, porque quando você atinge a idade para parar, não está mais no auge. Na natação, principalmente, ninguém está no auge aos 34, 35 anos. Poucos chegam lá competindo da mesma maneira que faziam aos 20, 23 anos, exceção, talvez, feita ao fenômeno Dara Torres. Não foi o caso do australiano.

Thorpe chocou o mundo quando anunciou sua aposentadoria, aos 24 anos. Não estava mais motivado para nadar. Queria ter um programa na televisão, comer à vontade, aproveitar a vida, deixar de lado aquela coisa extremamente regrada, de se trazer um peso na consciência quando se come uma caloria a mais do que estava determinado.

Mas, tão jovem, talvez não tivesse maturidade suficiente para tomar a decisão, por mais que a vida seja dele, quem tem de saber quando tem de fazer as coisas é ele, mesmo, oras. Mas havia o que realizar, ainda. E percebeu isso depois, talvez tarde demais, a natação pune esses casos em que o cara fica muito tempo brigado com a piscina, e depois volta achando que ela vai recebê-lo de braços abertos, maravilhosamente bem, como se nada tivesse mudado tantos anos depois.

Mas as coisas mudam. As pessoas evoluem. Por mais que precise de uma máquina para fazer grande parte do trabalho, está aí Michael Schumacher para provar isso.

Thorpe achou que dava. Muita gente achou que dava, se ateve ao nostalgismo das conquistas do australiano e nadou com ele. E muita gente, certamente, afundou com ele, quando o conto de fadas virou pesadelo.

Engraçado que a frase fica na cabeça. Pega de jeito. “O conto de fadas se transformou em um  pesadelo.” Não vi as palavras saindo da boca dele, mas parece que está na frente falando. Não vi a reação dele, mas dá para enxergar perfeitamente a expressão do rosto, a cabeça baixa, a respiração profunda, a decepção transpirando pelo corpo. Não tenho contato com Ian Thorpe, o vi apenas uma vez pessoalmente, mal falei com ele, mas dá para sentir a dor do sujeito na pele. Minha vida vai continuar, normalmente, mas a desse cidadão vai ter uma ferida aberta para sempre.

O cara vai viver o pesadelo por um bom tempo. E acordado, o que é ainda pior.

 

Plínio Rocha, é editor do Diário de S. Paulo 

8 respostas
  1. Antonio Brito
    Antonio Brito says:

    Não podia deixar de registrar! Claro! vamos agradecer o mínimo que foi feito pela natação brasileira, porém, muito aquém dos outros esportes olímpicos. A Globo deveria ter mais consideração com a natação de nosso país, com vários atletas de ponta e com participação garantida em Londres 2016. Sabemos que a Globo não muda sua programação, mas mostrar apenas a final A da natação, deixando de fora a final B, foi um furo irreparável, cadê o incentivo dos atletas que estão aparecendo? As Olimpíadas estão aí 2016?. Normalmente em toda transmissão de provas de natação primeiramente é a final B e posteriormente a final A de cada prova. Porque foi feito diferente nesse Mari Lenk? Passaram todas as finais A e depois as finais B, ficando os atletas até as 23:00h na piscina, tendo que competir no dia seguinte pela manhã, ridículo!!!!! Um país que sediará as Olimpíadas de 2016, estão muito fracos na transmissão. Acredito que o produtor deveria ter mais informação sobre o esporte! Acredito que nunca fez esporte algum rsrsrs!!! Esse é nosso país, país do futebol que quer fazer olimpíadas de outros vários esportes!!! Cascata!!!!!

  2. Paulo Nazar
    Paulo Nazar says:

    É muito valido ressaltar tudo o que esse nadador representou e ainda representa para a natação mundial, vê-lo tentar uma vaga olímpica é ver uma parte da história da natação em ação e com certeza ele ainda continuará despertando o interesse pela natação em muitas crianças, jovens e até mesmo adultos. Isto é que é legal dentro do mundo desportivo, parabenizo você Plínio e como o Danilo mencionou, ficou muito claro a sensação que este rapaz sentiu naquele momento.
    Natação e abraços

  3. Alexandre Madsen
    Alexandre Madsen says:

    Esta volta do Thorpe foi puro marketing. Embolsou uma grana de patrocinadores e retornou à mídia. Só não viu quem não quis. Com todo respeito Plínio. Seu texto é muito romântico para o mundo do esporte atual, aonde o marketing impera!!!

  4. Luiz Augusto Gerardin Poirot Leobon
    Luiz Augusto Gerardin Poirot Leobon says:

    Sr. Coach e demais analistas,
    Para levantar o astral principalmente dos que bravamente estão “dando a cara a tapa”, tentando, mais uma vez a vaga olímpica. Gostaria que também fosse analisada a volta de Laure Manadou que, hoje (21/03/2012) pelo que informa o Site Natationpourtous.com:
    http://sport.francetv.fr/autres-sports/natation/135501-muffat-manaudou-et-bernard-soignent-leurs-chronos
    Até o momento, sendo melhor sucedida do que o “Torpedo”:
    “Une Laure Manaudou qui a remporté son deuxième titre de championne de France en deux jours, en s'imposant sur 50 m dos avec un nouveau record de France à la clé. Manaudou a encore amélioré en finale, en 28.13, son temps de la matinée, lorsqu'elle avait battu (28.16) son propre record de France, sur cette distance non olympique. La championne olympique 2004 du 400 m nage libre s'était qualifiée mardi pour les jeux Olympiques de Londres sur 100 m dos en remportant le titre.”
    Fonte:
    http://sport.francetv.fr/autres-sports/natation/135333-manaudou-retrouve-sa-place

  5. Luiz Augusto Gerardin Poirot Leobon
    Luiz Augusto Gerardin Poirot Leobon says:

    Sr. Coach e demais analistas,
    Para levantar o astral principalmente dos que bravamente estão “dando a cara a tapa”, tentando, mais uma vez a vaga olímpica. Gostaria que também fosse analisada a volta de Laure Manadou que, hoje (21/03/2012) pelo que informa o Site Natationpourtous.com:
    http://sport.francetv.fr/autres-sports/natation/135501-muffat-manaudou-et-bernard-soignent-leurs-chronos
    Até o momento, sendo melhor sucedida do que o “Torpedo”:
    “Une Laure Manaudou qui a remporté son deuxième titre de championne de France en deux jours, en s'imposant sur 50 m dos avec un nouveau record de France à la clé. Manaudou a encore amélioré en finale, en 28.13, son temps de la matinée, lorsqu'elle avait battu (28.16) son propre record de France, sur cette distance non olympique. La championne olympique 2004 du 400 m nage libre s'était qualifiée mardi pour les jeux Olympiques de Londres sur 100 m dos en remportant le titre.”
    Fonte:

    Fonte

  6. Danilo Glasser
    Danilo Glasser says:

    Uau Plínio, fantástico o texto. Até mesmo quem não acompanhou o ocorrido pode, por meio de suas palavras, entender o fato. Parabéns, continua escrevendo GRANDIOSAMENTE, como sempre.
    Forte Abraço

  7. Vítor
    Vítor says:

    Belo texto, Plínio! Senti a emoção de todas as suas palavras e, com certeza, fiquei bastante triste quando vi que o Thorpedo não se classificou. Mas, como diria Rita Lee, “são coisas da vida”.

  8. Lucimar
    Lucimar says:

    No mundo atual, em que o homem muitas vezes se esquece de si, impera a errata concepção de que o jornalista deve noticiar o espetacular, o catastrófico, friamente.Não se leva em consideração que do outro lado da notícia, há pessoas que são também movidas pela emoção, pelos sentimentos.Plínio você fugiu do jornalismo mecânico, falou com emoção obedecendo uma história.Captou o que muitas vezes o jovem passa e não se apercebe que dificuldades e insatisfações sempre existiram, mas quando optar por um caminho muitas vezes por melhor que possa ser naquele momento, pode não ser.Mas Thorpe ainda assim foi valente e tentou mais uma vez. O ciclo fechou-se de forma amarga, mas talvez agora verdadeiramente tenha consciência que a aposentadoria chegou.Parábens pelo texto.

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