Autor • Plínio Rocha
Fonte • Diário de SP

 

Não tem muito mais o que falar sobre Michael Phelps que já não tenha sido dito nos últimos dias, meses, até anos. O sujeito é o que é. Maior esportista olímpico da história. Detém todos os recordes que alguém pode deter. Maior número de medalhas (22), maior número de ouros (18), maior número de ouros em uma mesma edição (oito, em Pequim-2008). Se você gosta de natação, principalmente, não tem como não ser fã de um cara desses.
 
E a vida de Phelps até chegar a esse patamar também não chega a ser uma novidade. Infância difícil, sem a presença do pai ao lado, vivendo algumas frustrações ao lado da mãe e das irmãs, que tentaram ser atletas olímpicas e não conseguiram. Foi assim, aliás, que ele começou a nadar. Ia com a mãe buscar uma das irmãs no treino, um dia acabou tendo vontade de fazer aquilo, começou a bater recordes e a conquistar títulos e não parou mais. Aos 12 anos caiu nas mãos de Bob Bowman e o resto é história.
 
Phelps era um menino complicado. Na escola, ouviu de uma professora que nunca chegaria a lugar nenhum. Ele sofria da Síndrome de Déficit de Atenção. Não conseguia prestar atenção nas aulas. Chegava em casa e não se lembrava de nada do que havia aprendido. Sofria bullying dos amigos. Não convivia bem com suas próprias orelhas, grandes demais. Voltava para casa chorando com certa frequência, às vezes assimilando o tal mantra proclamado pela tal professora. Achava que, de fato, nunca chegaria a lugar nenhum.
 
Foi então que o esporte começou a ajudá-lo a mudar isso. Aos 15 anos, foi a sua primeira Olimpíada, estabelecendo um novo recorde na natação americana quando chegou à final dos 200m borboleta em Sydney-2000. Terminou em quinto. Todo mundo aplaudiu, achou que aquilo tinha sido um feito extraordinário. E ele, claro, sabia da importância, mas morreu de inveja quando viu os três nadadores que iam ao pódio passarem ao lado dele. Olhou a cerimônia de longe. Prestou atenção quando os atletas se prostraram à frente de um homem, receberam a medalha no pescoço, se cumprimentaram. Ouviu o hino, deu as costas, entrou no ônibus e sabia que ali, definitivamente, a semente olímpica havia germinado dentro dele.
 
Prestes a disputar os Jogos de Atenas, em 2004, viu-se cercado de muita expectativa. Já era um monstro do esporte, havia assustado o mundo com suas quatro medalhas de ouro no Mundial de Barcelona, em 2003, com recordes mundiais. Já se esperava que ele seria o dono da piscina na Grécia e quebraria o tal recorde de Mark Spitz, que conquistara sete medalhas de ouro em Munique-1972.
 
Phelps nadaria oito provas em Atenas, e não é que saiu de lá com gente dizendo que havia fracassado, porque conquistou "apenas" seis ouros? Falhou nos 200m e no 4 x 100m livre, levando o bronze. Não havia cumprido a meta que lhe fora estabelecida. Por mais que tenha sofrido o que sofreu, aguentado o que aguentou, eram oito ouros que dele se esperava. E a volta para casa seria amarga. Não dá para acreditar.
 
Seguiu-se, então, um período de incertezas, preguiça e episódios polêmicos, mas para não alongar mais ainda este já longo e cansativo texto, todos sabemos que ele continuou sendo Michael Phelps nas principais competições. E, enfim, em Pequim-2008 conseguiu os tais oito ouros. Bravo! Passaram-se mais quatro anos e, em Londres-2012, mais quatro ouros, duas pratas e o recorde que faltava havia caído por terra.
 
Deve ter passado tudo isso na cabeça do americano quando ele nadou pela última vez na capital londrina. Subiu ao pódio e se emocionou, o mundo inteiro viu. Naqueles minutos que duraram a cerimônia, ele deve ter refletido e se lembrado dessa história. Havia cumprido sua missão e podia descansar em paz, finalmente.
 
Saiu dali e foi para a farra com os amigos, foi pescar, jogar futebol americano na praia, aproveitar o sol, ficar com a namorada, uma ex-garçonete de Las Vegas. Assinou com uma grife famosa para ser garoto-propaganda, fez fotos publicitárias, ganhou mais dinheiro, muito mais dinheiro, estampou sua cara em uma das marcas de mais sucesso do planeta. E, num determinado momento, deve ter se lembrado daquela professora do primário, que disse que ele nunca seria ninguém na vida. Deve, até, ter visualizado a figura dela em sua frente. Deve tê-la cumprimentado, acenado com a cabeça, dado as costas e ido embora. Certo de que havia sido alguém, sim, na vida. Dele, dela e todos os que, de alguma maneira, entendem bem o que Michael Phelps alcançou.
 
Plínio Rocha, é Editor de Esportes do Jornal Diário de São Paulo, assina a Coluna Na Raia na Best Swimming desde 2007. 
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