Editorial especial do jornalista britânico Nick Butler que ofereceu o seu artigo publicado no site www.insidethegames.biz e faz uma importante avaliação das condições e de suas impressões na recente visita ao Rio de Janeiro. O editorial convidado é uma boa oportunidade para identificar o que os estrangeiros estão vendo em nossa preparação e organização para os Jogos Olímpicos do Rio em 2016.
Será que a Olimpíada do Rio vai dar certo?
As pessoas tem de aceitar que de diversas formas o Rio2016 vai ser diferente das últimas Olimpíadas e Paralimpíadas.
Com certeza, vamos ter problemas técnicos organizacionais e os constantes atrasos que são incomparáveis com a eficiência do que vimos em Londres 2012 e Sochi 2014.
Mas é bom lembrar que o Rio não recebeu os Jogos por razões técnicas e por ser a primeira edição a ser realizada na América do Sul contém um teor único, benéfico e histórico. A questão vai ser evitar os aspectos negativos para que não atinjam o benefício e as coisas positivas que a Olimpíada vai trazer.
Em outra palavras, o Rio2016 tem um potencial fantástico, mesmo que neste momento a palavra “potencial” mantém um estado de operação.
Depois de entrar profundamente no mundo de Sochi 2014 e meu tempo no Insidethegames, participei da recente visita da Comissão de Coordenação do Comitê Olímpico Internacional ao Rio. Foi minha primeira oportunidade para entender tudo o que se passa até a próxima Olimpíada.
E, reconhecendo minha falta de experiência e conhecimento em fazer uma Olimpíada no Brasil, era algo que eu não tinha a menor idéia. Não demorou muito para entender.
A melhor lição veio no dia final da visita da Comissão, quando uma hora antes do fim da conferência de imprensa, uma quantidade enorme de jornalistas empilhados num pequeno espaço cercado por cordas na área externa da sede do Comitê Rio2016. Todos a espera do Prefeito Eduardo Paes que deveria aparecer para uma entrevista em breve.
O tempo passava e nada do Prefeito. Eu começei a ficar impressionado com a falta de reclamação dos jornalistas e como todos reagiram com naturalidade. Apenas os jornalistas estrangeiros reclamavam, mas eram poucos.
A hora da entrevista veio e passou e ninguém se movia dali. Tambérm era quase impossível sair daquele cercado. Até que veio a informação de que o Prefeito não viria mais e todo mundo saiu dali, nada de grandes reclamações apenas alguns murmúrios de desapontamento.
Foi nesta hora que eu aprendi como as coisas funcionam no Brasil. “Tudo aqui termina bem” um jornalista me disse, “mas sempre no último minuto”.
“Brasil não tem o gene da organização” me disse outro.
Antes de considerar áreas que o Rio pode ou não ilustrar esta falta de gene da organização, é importante destacar as coisas positivas e excitantes com relação ao Rio2016.
A primeira delas é trazer a Olimpíada para uma nova área e um novo continente. Isso é algo que o COI considerou como vital ao escolher o Rio cinco anos atrás em Copenhagen em cima de três outras propostas que eram tecnicamente mais fortes. E, pelo fato de ter escolhido a “proposta segura” de Tóquio sobre correr mais riscos com Istambul para 2020 sugere que talvez a opinião dos membros tenha mudado. Mesmo assim, os Jogos Olímpicos é um evento global e levá-lo a todas partes do planeta é algo que precisa ser aplaudido.
O segundo aspecto positivo do Rio de Janeiro é óbvio, é a beleza natural. Mesmo que Sochi tenha sido um sucesso, tem pouca coisa interessante naquela cidade e até saí em busca de outros lugares fora da área olímpica, mas não havia muita coisa interessante e até a impressão de que nem tínhamos uma Olimpíada por ali.
No Rio vai ser completamente diferente. Uma cidade que está cheia de pontos famosos. O Pão de Açúcar, a praia de Copacabana, a baía de Guanabara, arquitetura impressionante e toda a energia e vitalidade do povo brasileiro.
Meu tour pessoal foi limitado somente a Copacabana, Talvez por conta disso minha mudança de opinião, mas foi o mais fantástico que encontrei no Rio, a sua história e beleza.
Da praia onde teremos o volei de praia, em Copacabana, bem em frente ao Hotel Windsor onde os membros do COI estiveram durante a visita, o Rio está elevando ainda mais o nível da audiência e visibilidade do que London fez com o esporte em 2012 ao sediar no Palácio da Cavalaria Britânica.
Futebol no Estádio do Maracanã, arco e flexa e a chegada da maratona na famosa rua Marques do Sapucai onde o Carnaval acontece todos os anos, a prova de ciclismo de estrada na Praia do Flamengo e outras passagens pelas montanhas da cidade. Se não contarmos com a poluição, as sedes dos esportes aquáticos, em águas paradas para a canoagem e o remo na Lagoa Rodrigo de Freitas, a Baía de Guanabara para o iatismo, as águas abertas na praia de Copacabana. Todos serão visualmente espetaculares e vão trazer uma exposição aos Jogos Olímpicos que jamais tivemos.
Mesmo que as outras áreas olímpicas sejam menos belas e imponentes, cada uma tem seus próprios befefícios determinando um legado e para a cidade, pois fora os quatro estádios de futebol a serem utilizados nos Jogos, a Olimpíada por completo será disputada em áreas da cidade, numa vantagem sem precedentes na história olímpica.
Talvez isso não precise nem ser dito, mas outro fator que é positivo em relação ao Rio é o amor da população pelo esporte. Para você descobrir isso, basta sentar e tomar um café em Copacabana para entender o que é isso.
De um lado corredores, ciclistas e patinadores desafiando o calor da pista de asfalto. Do outro lado você vê voley, frescobol e jogadores de futebol cortando, batendo e chutando na praia. Eu escutei de Tanya Harris, ex-membro do Comitê Britânico Olímpico que está morando no Rio para trabalhar como consultora no projeto de segurança e logística para os Jogos, não existem muito lugares ao redor do mundo onde o esporte seja mais apreciado e valorizado do que no Rio. E isso envolve pessoas de todas as classes, idades e habilidades.
“Você é inglês? Você pensa que vai vencer a Copa?”. Fui perguntado sobre isso um monte de vezes pelos entusiasmados brasileiros que sempre educadamente faziam uma pergunta da qual já sabiam a resposta.
Mas além do futebol, e nos esportes olímpicos como volei, natação, iatismo, a paixão e o suporte é imenso. E certamente a população vai apoiar também aqueles esportes menos populares durante sos Jogos, como o estreante rugby e todas as disciplinas dos Jogos Paralímpicos.
Fui avisado várias vezes de que o Rio não é um lugar fácil para se trabalhar. Entretanto, no meu último dia de minha visita fui surpreendido com uma resposta de um alemão no meu hotel quando lhe perguntei se estava no Rio a serviço ou a passeio: “Porque alguém viria aqui a passeio?” me disse ele. A resposta e minha impressão foi completamente o contrário.
O Rio que eu encontrei foi de um povo amistoso e receptivo, mesmo que o inglês não seja falado muito, mesmo assim foi fácil chegar aos lugares comparado a outros países onde também onde não se fala inglês. Todos no meu hotel foram receptivos e me ajudaram nas informações e necessidades que precisava. Ainda fiquei impressionado com o número de quiosques de informação espalhados pelas ruas durante meu passeio.
É verdade que teve algumas dificuldades. Uma delas foi no metrô onde peguei em direções erradas por mais de uma vez e nunca encontrei um mapa ou informação completa sobre o trajeto. Mesmo com os funcionários sem falar nada em inglês, sempre aparecia algum passageiro capaz de me orientar corretamente, mesmo que parecesse que estava mais se se livrando de esperar por mim do que realmente querer ajudar.
Acima de tudo, eu preciso dizer que saí impressionado com o sentimento do que a população gosta de receber os estrangeiros e isso vai ser visto na Copa do Mundo e na Olimpíadas.
Então, que tipo de problemas podem deixar nublado os preparativos?
Literalmente, as nuvens da polução, é ocm certeza um bom tema para se começar.
Poluição das águas é um dos problemas que foram levantados na última visita da Comissão de Coordenação do COI em setembro e, pelo fato do iatismo ser o primeiro teste evento a ser realizado em agosto, agora a coisa é ainda mais urgente. Um ambicioso plano foi apresentado que indica que 80% do esgoto da cidade será tratado até 2016, assim como muitas outras medidas que vão evitar a poluição da Baía. Uma destas medidas é uma melhor educação da população numa forma de inseri-los ainda mais nas preparações para os Jogos Olímpicos. Neste momento, entretanto, as críticas são altas e quase nada foi feito embora a comissão do Rio2016 continue a dizer que tudo vai bem.
A impressão que eu tive é de que em 2016 todos os locais de competição vão estar prontos, mas a impressão geral de melhora de outras coisas na cidade parece que estão fora da realidade.
Segurança é outra coisa que preocupa, principalmente depois do tiroteio que ocorreu na favela de Manguinhos onde tivemos várias mortes e os postos da polícia atacados. De acordo com várias pessoas que conversei, a situação ficou pior nos últimos anos e um documento oficial do Governo indica a difícil relação entre a população e a sociedade no Rio de Janeiro.
Mesmo que a massa de visitantes não fique próximo as favelas, meu sentimento é de que estar preocupado, vai ser o suficiente. Tendo estado caminhando pela cidade com meu imenso mapa numa mão e uma bolsa na outra, posso dizer que mesmo caminhando por diversos locais não me senti ameaçado ou intimidado em nenhum deles.
A terceira área onde ainda permanecem algumas dúvidas é com relação ao controle anti-doping. A gente acaba lendo entre as linhas e sente que é uma área onde o Rio deveria se esforçar mais. O laboratório da Universidade Federal do Rio (Ladetec) não alcançou os padrões exigidos para ser utilizado na Copa do do Mundo e mesmo que os testes sejam feitos em Lausanne na Suiça, é algo que na Olimpíada vai ser impossível de ser realizado. O diretor geral da WADA informou ao Insidethegames na semana passada que a data de certificação do laboratório do Rio é coisa para ontem e pede que que o COI faça esta pressão para a solução do problema.
O Comitê Rio2016 me confirmou que as instalações do laboratório estarão prontas em tempo para os Jogos, e eu até imagino que sim, mas o sentimento é de que outras datas limites vão ser perdidas até lá.
A entrega das sedes é outro aspecto onde as datas limites não serão cumpridas. Isso eu pude comprovar nos tours que fizemos nas diferentes áreas e especialmente na região do Complexo de Deodoro onde me repetiram várias vezes que tudo estava pronto e o que se viu foram poucas obras a serem executadas, mas que ainda não começaram.
Certamente, em comparação com a Copa do Mundo, os estádios não prontos em tempo, será um problema que não vamos enfrentar na Olimpíada no Rio. Apenas não se sabe quando serão entregues.
O próximo ítem que destaco é transparência e corrupção. Mesmo passando apenas três dias no Rio, eu fiquei impressionado quantas vezes eu escutava a palavra “corrupção”. E isso não inclui outras citações como “aqui o dinheiro é muito difícil de ser controlado”.
Problemas existem na área administrativa e também a nível mundial com o escândalo que tivemos na semana passada com a Confederação Brasileira de Volei com ramificações para a Federação Internacional da modalidade. Rio2016 está trabalhando duro para convencer a população de que é uma entidade séria oferecendo um portal aberto a todos onde todos os processos, editais e documentos envolvendo os Jogos desde serviços de lavanderia até o suprimento de 25 mil bolas de tênis estão lá.
É um admirável esforço e a minha impressão é de que isso é um problema que está historicamente inserido na sociedade brasileira e qualquer esforço para a transparência precisa ser aplaudido.
Ao que tudo indica, todos estes problemas vão ser apreciados num encontro com todos os níveis do Governo e o Comitê Organizador em Brasília. Ou pelo menos foi o que nos foi passado.
A última área para ser considerada, e segundo o COI, é a mais importante para a população brasileira, é o legado. Para o Rio2016, a Olimpíada como foi para o Londres e Sochi não são apenas três semanas de eventos, e sim cem anos ou mais.
Assim como a relação em diminuir a poluição e aumentar a transparência, outros legados incluem melhoras imensas no transporte público, milhares de empregos que serão gerados nos novos hotéis e muitos projetos educacionais incluindo o ensino de língua estrangeira para estudantes e trabalhadores.
O desafio tem sido convencer a população do mérito deste trabalho.
Este ponto diferencia o Rio2016 da Copa do Mundo. Na Copa, muitos benefícios foram voltados exclusivamente par ao futebol e não tem o apoio da população. A culpa disso é que a FIFA não dá o interesse e a prioridade que o COI destina para isso, além é claro de concentrar todos os esforços numa só cidade e não espalhado pelo país.
A Copa do Mundo parece que tentou menos também convencer o público dos benefícios que poderia trazer par ao país. Consequência disso foram os protestos que perduraram por vários meses desde a Copa das Confederações mas não parece que se seguirão até a Olimpíada. Mesmo assim, o Rio vai ter de continuar o seu trabalho e todos os problemas envolvidos para ter certeza de que seguirá no caminho certo.
É preciso lembrar que todo este imenso e inédito desafio de sediar uma Copa do Mundo e depois uma Olimpíada em pouco tempo de intervalo. Isso acrescido da diminuição do crescimento da economia mundial desde 2009 e incrementou a inflação deixando esta tarefa ainda mais difícil.
Com o fim de Sochi, todas as atenções agora são para o Rio e não podemos mais ter demoras e perdas de prazo. O Presidente do RIO2016, Carlos Nuzman reconheceu isso declarando: “não há mais tempo a perder”.
Mas com toda esta consideração, minha resposta para o título deste editorail é de otimismo. Sou consciente e minha memória olímpica me permite isso (de Atenas a Sochi), tenho visto problemas na preparação e organização dos Jogos que no final acabam sendo realizados, e bem realizados.
Assim, após a minha primeira visita, e espero que sejam muitas outras, eu posso concluir de que o Rio está se preparando para o sucesso. Mesmo que este caminho seja difícil até lá e muitos outros prazos a serem cumpridos.
Nick Butler, é repórter do site www.insidethegames.biz e disponibilizou o seu editorial para a Best Swimming.
Ótimo texto. Principalmente porquê foi elaborado por alguém de fora. Nunca tivemos acesso aos preparativos dos jogos anteriores, mas Rio2016 é MUITO PREOCUPANTE. Sou mais pessimista que o Nick Butler.