Por Plínio Rocha

Michael Phelps é o Pelé das piscinas. Não se discute. Depois dele, há algumas opções. Há quem aponte Mark Spitz, com extrema justiça, que se diga. Mas eu fico com Ian Thorpe. Por tudo o que fez, pelo fato de ter sido campeão mundial de maneira muito precoce, aos 15 anos, pela performance assustadora na Olimpíada de Sydney, em 2000, com apenas 17. São cinco ouros, duas pratas e um bronze olímpicos na conta (contando com Atenas-2004, também), além dos 11 ouros, uma prata e um bronze em Mundiais de longa.

“Só” isso.

Por isso, corta o peito quando se lê que o sujeito está afundado em uma recuperação química. O problema é o álcool, que levou a um estado de depressão profunda. Aí, misture com os remédios que está tomando. Enfim, deu para entender do que se trata.

E você fica se perguntando o que levou o cara a esse estágio. O melhor atleta olímpico da história australiana. O que, em se tratando de natação, naquele país, faz do cidadão quase um deus. A natação é um dos esportes mais populares da Austrália. Com um certo tom de exagero, há uma piscina para cada quadra de futebol brasileira.

Thorpe chegou ao topo muito cedo. Mas até soube lidar com isso. Foi campeão e recordista mundial, campeão olímpico sem que isso subisse tanto à cabeça. Aproveitou a popularidade como pôde. Depois de já ter parado, aos 24 anos (!!!), foi para a televisão, virou uma celebridade ainda mais conhecida. Estava, ao que constava, fazendo aquilo que queria. Vivendo um segundo sonho, que estava sendo alcançado passo a passo.

Já era o começo do fim, é verdade. Começou a ganhar peso e, aos poucos, a frequentar outros setores dos jornais. As confusões e, pior, o estado decadente de saúde, física e mental, começaram a prevalecer.

E você volta a se perguntar quando é que o cara se perdeu. Houve uma tentativa de voltar, mas a natação é cruel com muita gente. Principalmente com quem não se cuida. Não se recupera centésimos, quiçá segundos, com a mesma facilidade e velocidade com as quais os perdem.

O Thorpedo (o apelido mais legal de um nadador na história) até entrou em forma, voltou bem, encheu as pessoas de esperança. Mas não passou no teste, não se classificou para a Olimpíada de Londres, e tudo aquilo que era legal ficou triste de novo. Porque, evidentemente, as pessoas expuseram, sem dó, os motivos do fracasso. Thorpe não era mais o mesmo, e nunca mais voltaria a ser.

Por isso que, hoje, quando você percebe que a luta do cara é outra, não tem como não se comover. Como dizem, passa o tal filme pela cabeça. E você se pergunta, pela milésima vez, como é que o cara lida com isso tudo. Um dia, foi a figura mais admirada, idolatrada e na qual milhões mais se espelhavam. Hoje, ele se esforça para que as pessoas não tenham notícias dele. Única e simplesmente porque não condizem com a imagem de herói que ele construiu.

Ian Thorpe vai sobreviver. Não se sabe a que custo, mas vai sobreviver. A batalha contra si próprio vai deixar cicatrizes que fatalmente nunca mais desaparecerão. Mas ele vai sobreviver. Muita coisa ficou para trás e perdida, mas não é tarde demais para recomeçar. Da maneira que for.

O australiano nunca mais vai bater um recorde mundial absoluto na vida. Não vai mais figurar ao lado dos melhores do mundo. Mas quem é rei não perde a majestade. Thorpe continua brigando contra o relógio, mas, desta vez, os ponteiros andam absurdamente de maneira mais vagarosa.

A corrida pela vida é sempre mais dura.

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Plínio Rocha é editor do Diário de S.Paulo e assina a coluna Na Raia, na Best Swimming, desde 2007

3 respostas
  1. Fabio Amorim
    Fabio Amorim says:

    Sera que com toda essa experiência não seria mais inteligente trazer lo de volta para o esporte como coach?

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