Por Plínio Rocha
No Twitter: @pliniorocha77

Michael Fred Phelps II sempre foi um menino complicado. Difícil. Muitas vezes, um problema para a mãe dele, que teve de criar o moleque sozinha, além de mais duas filhas, porque o progenitor (e não pai, perceba a diferença) a deixou quando o pestinha tinha apenas 9 anos.

Na escola, ele vivia voltando para casa com um bilhetinho no caderno. Era sempre a professora, reclamando que Phelps não prestava atenção nas aulas. “Você nunca vai ser ninguém”, sentenciou a Mãe Dinah que tentava ensinar inglês, matemática e história americana para ele. O pequeno cidadão ouvia as explicações e, cinco minutos depois, não se lembrava de mais nada.

Depois de certo tempo, descobriram que ele tinha uma síndrome, o tal Transtorno de Défict de Atenção e Hiperatividade. Não conseguia parar quieto. Mas a culpa era dele, oras. Se ficasse olhando para a lousa (pode chamar de quadro negro, também, sei lá que termo é usado em que parte do país), em vez das pernocas das meninas, das artes dos amiguinhos, do movimento do lado de fora da sala, teria aprendido. Atenção a gente aprende a ter, diziam.

O tempo foi passando e Phelps não queria nada com nada. A mãe, Debbie, para os íntimos e o mundo todo, tentava fazer com que o rebento extravazasse tanta desatenção no esporte. Colocou-o para fazer mil e uma modalidades, mas nada dava certo. Mas um dia o pequeno foi junto levar a irmã mais velha na natação, achou engraçado aquele monte de gente de touca e um óculos estranho se debatendo na água, pediu para entrar na brincadeira e não saiu mais.

Logo cedo, aos 12, 13 anos, conheceu Bob Bowman, seu técnico e, por que não dizer, segundo pai. O cara catequizou aquele diabinho, disse que ele tinha nascido para a coisa, era praticamente um peixe e seria muito bom, talvez o melhor se se dedicasse mais do que todo mundo.

E Phelps, um dia, voltava para casa quando pensou: “Caramba, eu posso ser alguma coisa. Eu posso ser alguém. Vou ver se o que esse cara está falando é verdade”. No íntimo, deve ter se lembrado da professora que disse que ele nunca seria nada na vida, e podia ser um bobo e tapado, mas certamente aquilo lhe deu um combustível a mais.

Michael, então, foi dando braçadas, braçadas, braçadas. Nem demorou muito para conseguir alguma coisa, porque, aos 15 anos, estava disputando uma final olímpica. Terminou em quinto nos 200m borboleta, em Sydney-2000, e deu um esporro em si mesmo. Achou que podia ser melhor, mas acabou se convencendo, depois de tanta gente dizer, que tinha sido do caralho, porque, naquela idade, nunca antes na história dos Estados Unidos da América um nadador havia feito uma final olímpica.

Só que Phelps ficou puto, sim, e queria mais. Já tinha sido mordido pelo mosquitinho que transmite competitividade. Passou um ano sem deixar de nadar em nem um dia sequer. Nos 365 dias que formaram aquela temporada, ele sentiu o cheiro do cloro, vestiu sunga e touca, colocou o óculos que já não era mais um acessório engraçado, como pensara quando viu outras pessoas usando.

O tempo foi passando, e o resto é história. Conquistou 22 medalhas olímpicas. Ninguém, em qualquer galáxia, tem mais. Dessas, 18 são de ouro. Ninguém, onde quer que seja, no céu ou no inferno, tem mais. E dificilmente terá, mas a vida é assim, nascem e morrem gênios todos os dias, a gente nem fica sabendo, mas vez ou outra os caras aparecem e aí já viu, todo mundo fica assombrado.

Nesse meio-tempo, o moleque problemático resolveu dar as caras, claro. Em 2004, por exemplo, tinha apenas 19 anos quando foi preso por dirigir alcoolizado na cidade de Salisbury, que, segundo a Wikipedia, tinha 40.302 habitantes, em 2011. Não sei se a taxa de natalidade é maior do que a de mortalidade, por lá, então não faço ideia de quantas pessoas moravam em Salisbury quando essa “tragédia” aconteceu. Só sei que se trata do típico caso em que um conta para o outro, e pronto, o tal multicampeão olímpico, quem diria, é um baita dum arruaceiro.

Foi julgado, condenado, teve de pagar multa, prestar serviços comunitários. Um desastre. Só não foi pior do que o que aconteceria cinco anos depois, quando foi flagrado fumando maconha. O mundo caiu, ele foi taxado de drogado e mau-caráter, de novo, e foi uma baita duma porrada na cara de quase todo mundo. Na época, ele já era um monstro sagrado intocável.

Mas por que, neste momento, essa resenha toda sobre a vida do cidadão? Porque, como se sabe, ele acaba de ser enquadrado de novo. Acusação: dirigir embriagado. De novo. Está em maus lençois, é reincidente. Teve tudo aquilo, prisão, algemas, opinião pública apedrejando, nadadores criticando, a Federação Americana puta da vida porque seu maior ídolo não dá o bom exemplo.

Está tudo errado, que se diga. Dirigir bêbado, fumar maconha. Não é, de fato, exemplo para ninguém. Mas talvez exista uma explicação. Michael Phelps, desde sempre, foi questionado. Esteve na mira de absolutamente todo mundo que o cercava, família, professores, amigos, técnicos, companheiros, dirigentes, patrocinadores, fãs, desafetos. Todo mundo sempre apontou para ele e disse “você fez isso, você deixou de fazer aquilo, vá fazer isso, deixe de fazer aquilo”. Uma hora, o cara deve surtar. Deve querer se esconder dentro do armário, conversar com o amigo imaginário, buscar algum tipo de fuga, de lugar sagrado onde, milagrosamente, ninguém o conheça. Phelps deve querer ser normal, de vez em quando, coisa que nunca vai ser, em aspecto nenhum, não adianta.

Ficar doidão, ao que parece, é a alternativa do cara. Dose é julgá-lo única e exclusivamente por isso.

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Plínio Rocha é editor do Diário de S.Paulo e escreve a coluna Na Raia no Best Swimming desde 2007

2 respostas
  1. Fernandes
    Fernandes says:

    Às vezes temos de pensar que ele também é HUMANO, também ERRA! Este texto serve perfeitamente para isso, ele é HUMANO.

    Uma coisa é certa, ninguém vai conseguir apagar o que ele é para o desporto : LENDA!

    Saudações

  2. Dudu Saquarema
    Dudu Saquarema says:

    Phelps é um dos maiores exemplos que o esporte pôde produzir, determinado, impulsivo, competente e carismático. Comete erros e acertos, como qualquer um de nós, mas é famoso, e isso incomoda. Se teve vida difícil, para muitos não importa, se passou por problemas na infância, também não importa. Mas ele foi para o esporte, para tentar ser uma pessoa melhor e acabou por ficar famoso, e agora, exatamente aqueles que o fizeram ficar famoso, os divulgadores dos seus feitos, a mídia, são exatamente eles que tentam fazer dele um marginal, só porque isso vende, isso é de interesse público. Se ele tivesse feito uma doação, ou dado um presente para uma criança pobre, eles não divulgariam. Isso não vende. Imprensa covarde. Fazem dele um exemplo de desportista, mas ao menor deslize, tentam acabar com ele. Não poupam ninguém, e assim destroem àqueles, que eles mesmos fabricam. Mais uma vez, Covardes.

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