Faz um calor infernal no Rio de Janeiro. Rumo a 2016, estou por aqui desde setembro, e nas idas e vindas dos Estados Unidos, estou adorando viver na cidade maravilhosa.
Este intenso verão carioca também me deu uma nova rotina, e das boas. Todos os dias, estou a nadar no meu condomínio, bem a frente do Parque Olímpico da Barra. Não pode haver melhor inspiração.
Nestas pequenas nadadas que vi mais um “Super Pai”. Não é o primeiro, não será o último, apenas mais um capítulo de um personagem conhecido que vi várias vezes, dezenas, talvez centenas em minha carreira de treinador.
Ele é bem intencionado, como todos, ama seus filhos, como todos, e quer fazê-los campeões. Características que morando no sul, no nordeste, no exterior ou na cidade olímpica, são sempre as mesmas.
O “Super Pai” é um personagem de nossa realidade, que por bem ou mal, faz parte do cenário do esporte competitivo.
Tenho de ser sincero, dói ver o par de filhos sofrendo, chorando e reclamando em fazer algo que, naquele momento, está longe de ser prazeiroso. A piscina está ótima, nadar é tão bom, mas as idas e vindas da dupla dos pequenos filhos soa como uma tortura, um martírio.
O “Super Pai” imponente, autoritário, briga com os filhos, e com os banhistas que insistem em cruzar a raia do “treinamento”. Segurando um cronometro daqueles “Made in Chingling”, ele exibe um conhecimento que não tem, um treino que não tem pé, nem cabeça, e que se repete todos os dias.
Em tantos anos de borda de piscina, não posso esconder que já sei onde isso vai parar. A natação, como qualquer esporte competitivo, precisa ser desenvolvida de acordo com a faixa etária, treinamento, competição e exigências são diferenciadas pelas idades.
Os filhos do “Super Pai” as vezes se destacam, conseguem ter alguns resultados, mas a tendência, é o abandono prematuro do esporte. Um dos mais importantes elementos da fase formativa do atleta é o prazer pelo esporte, e o que venho assistindo, não só nas minhas acaloradas tardes, mas por toda a minha carreira, são crianças vítimas deste comportamento despreparado, e por mais bem intencionados que possam ser, nocivo ao esporte e principalmente a formação dos jovens nadadores.
Não é só no meu condomínio aqui na Barra. Eles proliferam em todas as partes do país e, para quem não sabe, até mesmo lá fora. Existem, aos montes.
É fácil identificar um “Super Pai”. Eles são daqueles que gostam de preparar a mochila para o treino, fazem a indispensável vitamina de todo dia. (Pode até deixar de almoçar, mas a vitamina tem de tomar!) Carregam a bolsa com o material do filho até a borda, assistem aos treinos com cronometros, jamais perdem uma competição onde discutem e opinam com mais sabedoria e conhecimento do que Bob Bowman e Dave Salo, combinados é claro.
O “Super Pai” vai além, pesquisa suplementos e novas técnicas na internet, acompanha rankings, resultados e está sempre em busca do melhor traje disponível no mercado.
Por incrível que pareça, nada do que está listado acima está errado, mas tem um fator determinante que diferencia este comportamento da parte nociva de ser um “Super Pai”. É quando você cruza a linha, deixa de ser o que há de mais importante nesta sua profissão PAI, para ser o treinador. Esta cruzada de linha é determinante e onde toda esta boa intenção vira um fator negativo.
No início da minha carreira, me lembro que aprendi algo (errado) que me valeu por alguns anos. “Bom atleta é aquele que é orfão de pai e mãe”. O pensamento de quem começa na profissão e acha que sabe tudo, quer controlar tudo e, sendo jovem, cheio de motivação pensando que tomando o comando terá mais sucesso. Não demorou muito tempo para aprender que estava errado.
Foi um treinador americano, um amigo de longa data, Terry Maul que me ensinou que “Os pais são meus amigos”. Falou aquilo com um sorriso no rosto que representou tanto quanto o pensamento. Como profissional que trabalha com os filhos dos outros, jamais deve ser sua intenção de criar animosidades entre as famílias que estão ao seu lado.
Entretanto, foi com o mestre Jack Nelson que veio a maior lição da relação pai-treinador-filhos que tive em minha carreira. Coach Nelson sempre foi conhecido por ser um americano com estilo brasileiro. Seu abraço forte, seu aperto de mão sincero, sua energia positiva, sempre agregando. Ele também era duro quando precisava ser, mas sempre sincero. Não foram raras as vezes que escutei dele ao tratar com os pais: “Não quero ser o pai de seus filhos, mas não vou deixar você ser o treinador dos meus atletas”.
O lema de Coach Nelson era seguido a risca. Um treinador de sucesso que sempre foi marcante na carreira e na vida de seus atletas. Coach Nelson, como todos nós, também conviveu com “Super Pais”, passou pelos mesmos problemas e situações que convivemos.
Uma das tantas responsabilidades do treinador com seus atletas é fazê-los gostar do esporte que praticam. O prazer pelo treino, pela competição, pela disputa, estão entre nossas tarefas. Daniel Wolokita, treinador radicado no Rio há anos, também me ensinou que o nadador tem de gostar mais de treinar e competir do que de ganhar. Isto porque não se ganha todo dia. Por mais que o “Super Pai” goste do esporte, que os treinadores amem, se o atleta não estiver inserido neste contexto, tudo será em vão.
Este editorial vai mexer com alguns deles. Outros vão reclamar e não darão ouvidos, afinal estão com a melhor das intenções.
Não fiquem brabos comigo, meu objetivo era apenas ajudar, igualzinho a vocês. Vou terminando logo por aqui, está na hora da minha nadada e o calor continua insuportável.
Alex Pussieldi, editor chefe da Best Swimming Inc.
PS1 – O “Super Pai” também pode ser “Super Mãe”, aí elas sabem mais natação do que a Tery McKeever (técnica da Missy Franklin) e da Melanie Marshall (treinadora de Adam Peaty).
PS2 – Este artigo foi feito com figuras fictícias, qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.
Grande texto como Pai de uma nadadora da categoria Infantil que hoje encerrou o Coach com vocé aqui no GNU .
Simples mas complexo nós Pais devemos ser parceiros e fiéis aos filhos mas nunca um técnico muito menos juiz de suas competições .
Um bom e capacitado técnico jamais terá problemas com pais bem intencionados. Em psicologia esportiva aprende-se que o modelo “superpai” existe em todos os esportes, não apenas na natação, e eles nada mais são do que pais inseguros ou mal orientados. Um técnico que bem orienta os pais de seus atletas e transmite para eles a confiança necessária em seu trabalho jamais terá problemas com “superpais”!!!!!!
Parabéns pelo texto Alex!
Estamos iniciando um projeto de natação em Guaratinguetá. Nossa cidade já viveu momentos especiais na natação, contudo, muitos atletas deixaram de evoluir por influência destes “super pais e mães”. Agora, depois de aprendermos com os erros do passado, estamos tentando formar um time também fora d’água, com os pais unidos e sempre em sintonia com o que o treinador diz.
Coach,
Belo texto, as vezes fico imaginando quando o Super-Pai é realmente um técnico de natação, vejo em muitas competições o pai-técnico dando atenção ou pressão máxima ao filho/filha, isso deve ser 24h, não conheço o esporte o suficiente pra saber quantos pai-técnicos formaram nadadores. abs
Belíssimo texto! Desde muito cedo o atleta já tem uma equipe de apoio: o técnico (figura principal), médico (pediatra), nutricionista, fisioterapeuta e os pais! Tanto a fazer nesta função que não precisamos interferir nas funções acima (não que não dê vontade!!!). Mas a função principal dos pais é sentir o (a) filho (a) e ser o interlocutor com a equipe. Isso já é muito!
Caro Coach, realmente me vi neste texto, fazemos de nossos filhos aquilo que achamos que melhor para eles. De forma indireta controlo os tempos na piscina, resultados nos campeonatos, mas tudo sem ele saber, não me intrometo nas questões técnico-atleta, sempre procuro incentiva-lo. Torço sempre para ele faça o seu melhor.