Gostei (muito) e compartilho aqui a história que Gustavo Borges enviou em um Newsletter. Indica muito do que é a natação americana, onde se trabalha a mente, muito mais do que o corpo. Veja aí:

O ano de 1990 chegou com muitas novidades e mudanças para mim.

Aos poucos, eu comecei a me estabelecer de vez no cenário da natação, se ainda não mundial, mas na América do Sul. Conquistei medalhas no Sul-Americano daquele ano, em Rosário, na Argentina, e na Copa Latina, no México.

Nada mais natural, então, que meus próximos voos rompessem as fronteiras do Brasil. E, assim, eu fui morar e treinar nos Estados Unidos.

A minha escolha foi a Bolles School, em Jacksonville, na Flórida. Era uma escola com uma ótima estrutura, onde eu poderia continuar meus estudos bem, em um lugar no qual a adaptação seria mais fácil. Afinal de contas, a Flórida se parece mais com o Brasil, principalmente no clima, do que os demais estados americanos.

Além disso, a Bolles tinha uma excelente equipe de natação. Com um excelente treinador, Gregg Troy.

Eu estava animadíssimo. Demais. Era um passo importantíssimo para a realização do meu sonho. Lembre-se de que, dois anos mais tarde, teria Olimpíada, em Barcelona, na Espanha. Mais do que tudo, eu queria estar lá.

Tudo ocorreu de maneira bem natural e positiva. Rapidamente, eu estava à vontade com os meus novos companheiros e amigos, dentro e fora da piscina. E fui assimilando cada vez mais o método de treinamento, com boa evolução e bons resultados.

Não que eu não me deparasse com algumas coisas diferentes, de vez em quando, claro. Bem diferentes, aliás…

Em um belo dia, Gregg Troy reuniu os atletas antes que caíssemos na água para a sessão de treinos. Chegou tranquilamente, olhou para cada um de nós e disse:

“Corram até o Hooters.”

Imediatamente, claro, todos olharam um para a cara do outro, sem entender muito bem. “Corram até o Hooters.” O que ele queria dizer com aquilo?

O Hooters, como se sabe, é uma rede de restaurantes americana. É famosa pelos trajes, digamos assim, menores e mais apertados das garçonetes. Em vez do convencional, elas, normalmente, usam shorts curtos e tops ou camisas que deixam a barriga exposta. Faz muito sucesso nos Estados Unidos e chegou a vir para o Brasil.

Troy, claro, não queria que trocássemos o treino de natação por uma porção de naked wings (sem trocadilhos) e um chope duplo.

“Vocês conhecem o Hooters que tem aqui perto, certo? Fica a cerca de 4 quilômetros da nossa escola. Pois bem, como aquecimento e treino aeróbico, hoje, quero que corram até lá. E voltem.”

Eu, assim como muitos outros, odiava correr. Caramba, o meu negócio era nadar, bater os braços, fazer viradas. Na água. Não correr na rua. Mas o que poderia fazer? Nada (mais uma vez, sem trocadilhos)! Tinha de acatar.

E caso você esteja se perguntando: “Ué, Gustavo, você podia dar um migué. Bastava correr um quarteirão, se esconder, esperar um tempo e voltar. Jogar uma água na cara e na camisa, para simular suor, e ponto final. Como ele ia descobrir?”

Ah, ele pensou nisso também, claro. “Mais uma coisa: eu estarei lá no Hooters esperando por cada um de vocês, viu. Assim que saírem daqui, eu vou pegar meu carro, dirigir até lá, parar no estacionamento e ficar esperando até que veja que todo mundo passou por lá”, disse Troy.

Ao Hooters, pois, fomos. E voltamos. Muitas e muitas vezes.

No fundo, eu entendi o que o Gregg Troy queria com aquilo. Claro que não se tratava apenas de um aquecimento e um treino para melhorar a capacidade aeróbica da equipe. Era mais do que isso.

Ele queria nos preparar mentalmente, também. Era um trabalho de concentração, de estipular metas, superar adversidades, estar preparados para fazer aquilo que não gostávamos, de olho em algo maior.

Era, ainda, um exercício de disciplina, de obediência, de autocontrole. Tanto para completar o trajeto como para aceitar aquilo sem reclamar, sem dar piti ou ser descontrolado.

Parando para pensar, ele estava nos colocando em alta performance. Quando a corrida terminava e, depois, íamos nadar, não era fácil. Mas, certamente, no fim, a sensação de dever cumprido em dobro era incrível.

Hoje, a corrida é um esporte que eu gosto e pratico. Mas nunca mais procurei um Hooters para ir até lá e voltar. No máximo, posso até pedir a tal porção de asinhas de frango, mas voltarei para a minha casa são e salvo na segurança e no conforto do meu carro.

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