Autor • Plínio Rocha
Fonte • Best Swimming

 

Não me lembro do ano, mas era um Troféu Brasil de natação. Eu estava na arquibancada. Tinha gente boa na piscina. Gustavo Borges. Fernando Scherer. Rogério Romero. Uns poucos caras que carregavam a natação brasileira nas costas, pelo menos internacionalmente. Eu já praticava o esporte e o programa, então, era agradável.
 
E eu vi esses caras nadando, ganhando provas e medalhas. Era um baita incentivo pra um garoto que gostava de dar braçadas, por mais que elas, saberia depois, não o levariam ao mesmo patamar que o daqueles caras. A vida é assim, uns chegam lá, outros não. É uma questão de foco. E talento. Os meus não estavam na piscina, definitivamente.
 
Mas a cada prova, o seu Mário Xavier se punha a falar. Falava ali qual distância seria percorrida, em qual estilo, quem havia ganho, o tempo que havia feito, o recorde que fora superado. Vez ou outra fazia uma gracinha, e eu achava, redundantemente, engraçado.
 
E eu nunca mais tive outro contato com o seu Mário até virar jornalista. O primeiro Troféu Brasil (sim, ainda era Troféu Brasil) que eu cobri foi no Corinthians. Foi em 2000. Eu me lembro que o Vasco tinha uma baita seleção, com Borges, Fabíola Molina, Eduardo Fischer. Eu me lembro, também, que os salários deles todos estavam atrasados. Acho que era antes da Olimpíada de Sydney. E, no último dia, o Eurico Miranda apareceu lá pra levantar um troféu. O clube havia acabado de fechar um contrato milionário com um banco espanhol, e perguntei se parte do dinheiro seria destinado para saldar as dívidas com os atletas da piscina. "Claro que não", o cartola bradou. "O contrato fechado foi para o futebol. Natação é esporte amador, e não se paga salário para esporte amador, só uma ajuda de custo. Eles têm as condições deles e têm de estar satisfeitos com elas." Deu-me as costas e foi-se embora. Eu achei aquilo um absurdo, mas sou um jornalista, não tenho de achar nada. Provavelmente, fiz uma matéria metendo o pau no sujeito. Não me lembro, faz tempo.
 
Mas ao seu Mário… Quando virei jornalista e comecei a frequentar as bordas das piscinas nas competições, dei-me de cara com ele. Conversamos muitas vezes. Ele me deu dicas de matérias, indicou detalhes interessantes, algumas vezes. Tinha coisa que não procedia, tinha coisa que valia, de fato, um certo investimento. E ele contava umas histórias engraçadas, de pessoas que haviam feito reportagens com ele. Não era meu amigo, não era tão chegado assim, mas os contatos mais próximos que tivemos foram legais. O cara sempre me tratou com o mesmo respeito que eu tinha por ele. Certa vez, contei que achava engraçado quando ele fazia a locução das provas. E rimos disso.
 
Mais do que qualquer coisa, me chamava a atenção o respeito que as pessoas nutriam por ele. Atletas, dirigentes, técnicos, pessoas ligadas àquilo tudo. Todo mundo o chamava de seu Mário. Abriam caminho para ele passar e ele agradecia, sempre.
 
Seu Mário, infelizmente, faleceu. É o ciclo da vida, as pessoas nascem, crescem e, um dia, morrem. Não tem como escapar. Ele tinha 91 anos. Viveu bastante. E eu me peguei aqui pensando por que, enfim, ele tinha aquele respeito todo. Cheguei à conclusão de que era porque fazia o que fazia com amor. Ele gostava de estar à beira da piscina, com o microfone na mão, fazendo merchand de uma maneira descontraída. Gostava de saber que era ele quem anunciava ao sujeito que ele tinha acabado de vencer uma prova, batido um recorde, conseguido um índice.
 
Você respeita um cara que te dá uma informação tão valiosa. Tão importante. Tão essencial naquele momento. A voz do seu Mário, no fundo, era o que o sujeito mais queria ouvir depois que batia a mão na borda, esbaforido.
 
Descanse em paz, seu Mário.
 
Plínio Rocha, é editor chefe do Diário de São Paulo. 
 
4 respostas
  1. Antonino
    Antonino says:

    O Mario Xavier, do qual privei de sua amizade por cinquenta anos, possuia o maior acervo da natação brasileira, qçá mundial. Acredito que ainda esteja com a familia

  2. Otavio silva
    Otavio silva says:

    Mario era excelente como comentarista e amigo…nadei 3o anos de minha vida plinio e conheci mario acho que tinha uns 10 anos… sempre tinha lembrança das apresentações dos atletas que ele fazia… se poss. diga a data e a causa mortis.. otavio ex rec. brasileiro de borboleta de 87 a 91 nadador do clube nautico capibaribe…. obg

  3. Viktor Waked
    Viktor Waked says:

    Falou tudo nadylson, seu Mário é um lenda com tal grandeza quanto um Borges ou até mesmo uma final olímpica. Um ícone da natação brasileira, com ta, grandeza. Afinal de contas, quem em algum momento que escutou do “seu Mário”' o tal, Correios, mandou, cheeeegou, não teve a sua atenção chamada, pela sua ironia somada a simplicidade de um trocadilho ! Salve “seu Mário” hoje, e sempre.

  4. Nadylson Filho
    Nadylson Filho says:

    Quem teve um recorde ou uma prova narrada por ele sabe muito bem a que você está se referindo Plínio… Parabéns pelo texto e homenagem, realmente seu Mário era uma pessoa única e muito contribuiu para o esporte que tanto amamos. Vá com Deus seu Mário…

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