Por Plínio Rocha

No Twitter: @pliniorocha77

O Troféu José Finkel de 2014 derrubou o último recorde de Gustavo Borges na natação brasileira. Foi nos 200m livre, piscina curta, 1min44s40. Estava de pé há 16 anos. Desde 1998, quando muita coisa era diferente no esporte nacional. Não existiam as figuras de Cesar Cielo, Thiago Pereira, um nadador brasileiro campeão olímpico, o Mister Pan.

Foi João de Lucca o autor da façanha. Fez 1min43s19. Ele tem 24 anos. Quando Gustavo estabeleceu a marca, tinha apenas 8. Não conheço a história dele ao fundo, mas é provável que já até tivesse iniciado no esporte. Fatalmente, não tinha ideia de como seria o futuro, por mais progídio que fosse.

E existem alguns simbolismos nesse ato. O primeiro, e óbvio, é analisar o número, friamente. Legal, ótimo. De Lucca baixou o tempo em mais de um segundo. Isso, normalmente, é uma eternidade na natação. Talvez nem tanto nos 200m livre, muito menos em piscina de 25 metros, mas é legal. É do caralho, para ser honesto, você chegar onde quer que seja, para quem quer que seja, e dizer que bateu um recorde do Gustavo Borges.

Pô, o cara foi, durante muito tempo, o melhor nadador que o país já produziu. Depois, veio Cielo, e os dois sabem o que isso significa. Mas Gustavo tem quatro medalhas olímpicas, foi recordista mundial, está no Hall da Fama, é recebido em Michigan, até hoje, como herói. Tente perguntar para um sujeito chamado Jon Urbanchek o que ele acha do brasileiro. Já tive a oportunidade de fazer algo parecido, e posso afirmar categoricamente que os olhos do americano brilharam.

Mas essa história é outra, e o recorde caiu. O último. O outro simbolismo, como dito, é o que isso significa. Significa que, em 16 anos, não houve uma evolução para essa prova no Brasil. “Ah, mas é em piscina curta. Ninguém liga para a piscina curta, tanto é que, na longa, que é o que vale, a coisa é diferente.”

É, pode ser. Mas não tanto assim. Já disseram que recordes são feitos para ser quebrados, e é verdade. Não é bom quando uma marca assim se perpetua. É legal quando o cara é o maior medalhista olímpico, mundial, pan-americano, que seja, e mantém isso durante muito tempo. Porque o cidadão é um mito, não aparecem mitos do dia para a noite, e isso, sim, é uma coisa louca. Michael Phelps é o cara, tem 22 medalhas olímpicas, e não sei se alguém vai ganhar tantas assim, um dia, pelo menos que eu veja. Isso tem de durar.

Um recorde de 200m livre, sem os tais trajes modernos, super, tecnológicos, não. Essa marca tem de cair, e Gustavo não estava sendo demagogo quando disse que havia comemorado o feito de De Lucca. Ele sabe o que isso significa. E sabe, mais ainda, que não é isso que vai tirar a importância daquilo que ele conquistou. O recorde foi para o beleléu, mas as quatro medalhas olímpicas estarão eternamente com ele. Materialmente ou não.

De Lucca é um cara promissor, apesar de já não ser tão novo. Há quem diga que a prova dele, mesmo, são os 100m livre. Na longa. Que tem de priorizar isso, buscar uma parcial de 48s, quiçá 47s, e integrar um 4 x 100m livre capaz de brigar por medalha em Mundial, Olimpíada. Aliás, já que está sendo relacionado a Borges, aqui, segue mais um dado importante: há 19 anos, Gustavo havia sido o último a vencer as 100 e 200 jardas livre no NCAA. Pois bem, adivinhe quem igualou isso, este ano? João de Lucca.

Mas, para ele, foi importante, sim, bater um recorde que foi de quem foi. Foi importante porque esse tipo de coisa aumenta a autoestima, traz confiança, traz vontade de querer mais. Além do que, claro, caramba, é para isso que o cara treina, treina, treina. Ele não quer nadar para menos do que qualquer coisa, ele quer baixar tudo o que puder, bater recorde de campeonato, brasileiro, sul-americano, mundial… Se, agora, tem 1min43s19, vai atrás de 1min43s00, 1min42s, onde ele puder chegar.

Para a natação brasileira, é um passo à frente. Um degrau a mais conquistado, entre muitos que precisam ser vencidos. Alguns deles, sabe-se, não serão. Mas paciência, assim é, e é importante saber lidar com as limitações. Isso não significa que um planejamento seja malfeito, que um objetivo não tenha sido alcançado. Ninguém, absolutamente ninguém, tem plenitude de sucesso no esporte mundial – que Phelps não nos ouça, por favor, porque Pequim-2008 está aí para definitivamente derrubar essa tese…

Para Gustavo Borges… Bem, para ele, não foi tanta coisa assim. É legal ver o nome em listas de coisas alcançadas, mas, dá para apostar, os recordes não devem ser uma coisa que, atualmente, mexam com o ego do cara. Gustavo é grande, e quando se posiciona da maneira que se posicionou, cresce ainda mais. Quem é rei, afinal, nunca perde a majestade.

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Plínio Rocha é editor do Diário de S.Paulo e escreve a coluna Na Raia no Best Swimming desde 2007.

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