Na Olimpíada de Atenas, em 2004, Joanna Maranhão tinha apenas 17 anos. Foi à final dos 400m medley e terminou na quinta colocação. Foi histórico, o melhor resultado para uma nadadora do país até hoje. Não conquistou uma medalha, claro, mas nem precisava. O feito havia sido tão impressionante que ninguém cobrou. Nem ela mesma.
Naquele dia, ela completou a prova em 4min40s00. Recorde brasileiro. Um tempo muito comemorado. Acima de qualquer expectativa para uma garota que começava a dar as primeiras braçadas para todo mundo ver. Uma marca que trouxe muita alegria.
Mas, com o passar do tempo, nem Joanna nem ninguém imaginaria que esses 4min40s00, da mesma maneira, seriam como uma prisão para a nadadora. Um número que a sufocaria, que traria pesadelos para ela.
Depois de Atenas, as coisas não aconteceram da maneira que a pernambucana gostaria. Profissionalmente, bons resultados internacionais não se repetiram em Mundiais ou outras Olimpíadas. A experiência de morar e treinar fora do país foi frustrante. No Pan de 2007, no Rio de Janeiro, só não voltou para casa de mãos abanando porque estava no 4 x 200m livre de bronze. Foi só.
Pessoalmente, Joanna também teve de enfrentar alguns fantasmas. Em 2008, chocou todo mundo quando revelou um caso de abuso sexual da época em que era criança. No fim daquele ano, se casou. Não deu certo e, menos de um ano depois, acabou se separando.
Nesse meio tempo todo, comprou uma briga política com a CBDA. Crítica ferrenha da administração de Coaracy Nunes Filho, presidente da entidade desde 1988, bateu de frente com o dirigente. Teve problemas por causa disso, claro. Muitos. Ninguém peita esses cardeais e sai ileso.
Joanna não tinha mais foco na piscina e, na natação, isso é cruel e fatal. Em janeiro de 2014, decidiu se aposentar. Ela tinha apenas 26 anos. Mas não aguentava mais a rotina desgastante. Nem sustentar a briga pelo que achava correto.
Afastar-se completamente era impossível, então, optou pelo caminho natural. Virou treinadora. Deu os primeiros passos, mas a coceira foi muito grande e voltou a nadar. Aos poucos, sem pressão, dela ou de quem quer que fosse.
E do nada, aos 28 anos, uma “panela velha”, como ela mesma tem dito, começou a vencer a particular, eterna e injusta briga diária com o cronômetro. Aqui e ali, começou a obter resultados que nunca havia obtido na carreira. Nem mesmo quando era uma menina cheia de ímpeto e vazia de obstáculos, porque quando se faz uma final olímpica aos 17 anos, meu amigo, você acha que pode tudo. Tem tudo para poder, é verdade, mas nem sempre a coisa é assim.
Pois bem. Joanna foi, aos poucos, recuperando aquela fagulha de empolgação que sentia quando as coisas iam bem. Até que no Pan de Toronto, nos mesmos 400m medley que ela cansou de dizer que nunca mais disputaria, conseguiu a libertação definitiva.
Quando terminou a prova, na quarta colocação, e olhou para o tempo, no placar, teve a mente e o corpo invadidos por um sentimento único. O relógio e o planeta pararam em 4min38s07. São quase dois segundos abaixo dos 4min40s00 que ela fizera 11 anos atrás. 11 anos atrás. Uma marca que ela achava que seria definitiva na vida dela.
Joanna saiu da piscina e foi diretamente abraçar o técnico. Minutos depois, estava na zona mista da imprensa dando uma entrevista com um sorriso estampado de orelha a orelha. “É a quarta colocação mais feliz da minha vida”, disse. A quarta e maldita colocação para todos os nadadores, porque significa que você ficou a apenas um passo do pódio, da medalha.
A menina não estava nem aí. “Se tivesse sido com medalha, seria perfeito, mas tudo bem”, emendou. Segundos depois, foi surpreendida com a notícia de que a canadense que vencera a prova foi desclassificada. Herdou o bronze.
Joanna continuou a entrevista e não citou a medalha nem sequer uma vez. Começou a listar motivos e mais motivos para explicar por que estava radiante. Lembrou, de novo, que estava conseguindo alguns dos melhores tempos da vida agora, aos 28 anos. E se sentiu bem por isso.
A natação, afinal, é isso aí. Uma briga constante do sujeito contra ele mesmo. Superação é sempre a palavra de ordem, porque não importa como você esteja se sentindo, o relógio está lá, sempre, para te dedurar. Para te pressionar. Para te expor. Se ele mostrar que todo o seu esforço não foi suficiente, pode esquecer.
Foi em Toronto, numa noite qualquer, que Joanna Maranhão conseguiu a libertação definitiva. Quando cravou 4min38s07 nos 400m medley e venceu a melhor Joanna que ela já havia conhecido, 11 anos de pressão, cobranças, maus resultados, frustrações, dramas pessoais, brigas internas e externas, dúvidas e decepções simplesmente desapareceram.
Da piscina do Canadá veio a conquista mais importante da carreira dela. Nem tanto a medalha, nem tanto o tempo, nem tanto o pódio. Mas, principalmente, a vitória. A vitória pessoal, dela com ela mesma, e muitas vezes é essa que a gente persegue, persegue, persegue, mas quase nunca alcança. Não no momento certo, pelo menos.
Joanna Maranhão, enfim, está livre daquele que foi o melhor tempo da vida dela, que lhe trouxe tanto reconhecimento precoce, mas, ao mesmo tempo, uma das prisões mais duras que um atleta pode enfrentar.
Joanna, enfim, respira aliviada. E sorri. A missão está cumprida.
Grande Plinio
Ela esta com Nikita?
Grande Plinio, ela esta com Nikita?
Valeu, Fabiano!
Excelente texto! Muito bem escrito!
Parabéns Plínio.
Ela está de parabéns!!!
Excelente resultado está de parabéns!!!
Análise cirúrgica e pertinente da importância da conquista de Joanna Maranhão. Às vezes esquecemos que atletas são humanos que, muitas vezes, precisam vencer suas lutas internas para ultrapassar as barreiras esportiva. Parabéns a Joanna que, mais uma vez, prova ser uma atleta diferenciada, e ao colunista pela percepção dos detalhes que a levaram a esta conquista.