A Petrobrás reuniu seu time para um encontro com a imprensa no Rio de Janeiro. Um time seleto e especial, estrelas dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Tinha Mayra Aguiar, bronze no judô, Isaquias Queiroz, o canoísta que se tornou no maior vencedor de medalhas do Brasil em uma Olimpíada com três medalhas, a corredora paralímpica Verônica Hipólito, o imenso judoca Rafael Silva, nossa campeã, também do judô, Rafaela Silva, Maicon Siqueira do taekwondo, a sempre simpática e pequenina Flávia Saraiva da ginástica, e o monstro Fernando Reis do levantamento de peso. Ah, e tinha ele, o maior medalhista da Paralimpíada Rio 2016, nove medalhas, Daniel Dias. Fui lá para entrevistá-lo.

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Após uma breve apresentação, a imprensa se aproximou dos atletas. Daniel foi imediatamente cercado. Fiquei de trás esperando um pouco de espaço até chegar mais perto. Antes de falar qualquer coisa, Daniel me pediu um abraço. Um abraço? Sim, é para lhe agradecer pelos comentários feitos durante os Jogos.

Não existe melhor elogio do que este. Ser reconhecido por quem vive do esporte. Daniel Dias, consegue capitalizar atenção e popularidade por conta disso, é um dos maiores atletas da sua modalidade no mundo, mas jamais perde a simplicidade, a oportunidade de agradecer, de se fazer querido.

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Daniel se emocionou nos Jogos. Chorou dando entrevista para Bruna Gosling no SporTV, chorou no pódio, coisas que nunca havia feito antes. O Rio 2016 foi especial. “Foi, foi muito. Foi diferente, uma oportunidade única e que demorei para disfrutar”.
Os Jogos Paralímpicos do Rio 2016 foram um sucesso. Para todos. Para a imprensa que conseguiu índices expressivos de audiência, para os atletas que brilharam na melhor campanha da história do Brasil, para os atletas estrangeiros que chegaram a citar o Rio 2016 como o melhor de todos os tempos, e para o público. Este abraçou os Jogos, se engajou, bateu recordes, lotando o Parque Olímpico. A natação foi casa cheia todo dia.

“Você sabe que muita gente foi a piscina para te assistir. Você virou um ídolo, o povo realmente curtiu os Jogos. O Parque estava lotado de família, crianças, havia engarrafamento de carrinho de bebê, mas também muitos cadeirantes. Vi muitos. Porém Daniel, tinha gente que não era deficiente, e foi lá para ver você, e ser como você. Eu conheço várias crianças que pediram a seus pais para isso”.

Daniel não hesitou. A resposta veio em tom de orgulho e com emoção. “Coach, tinha uma menina, que se aproximou de mim. Pediu selfie, autógrafo, levou uma touca assinada, e diz que queria ser como eu, mas, falou que não tinha nenhuma deficiência”.

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Rimos juntos, mas sabedores do impacto que foi levar os Jogos Paralímpicos ao povo brasileiro. Daniel e tantos outros nos deram algumas lições. Não de heróis, tradicional chavão que acompanha o esporte paralímpico há algum tempo, mas de exemplos, de superação, de atletas de alto nível em busca de performance. Foi o maior legado Daniel? A resposta veio rápida, “sem dúvida”.

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Para outro jornalista, Daniel elogiou o Centro Paralímpico Brasileiro em São Paulo. O local é realmente um espetáculo. Não há nada similar no país. Daniel identifica isso como grande benefício para o futuro do esporte paralímpico. “Não precisamos ir lá fora, vamos treinar em casa” diz ele. “Não é a toa que todos os países que ficaram a nossa frente no quadro de medalhas têm seus centros de treinamento, agora também temos o nosso”.

Aos 28 anos, o pai de Asaph e Danielzinho, marido de Dona Raquel, quer ficar mais em casa. O ciclo todo foi marcado por viagens, algumas bem longas. O treinamento de altitude na favorita Sierra Nevada, na Espanha, foram três semanas, emendou com mais 10 dias de concentração no Centro Paralímpico e 10 dias de Paralímpiada. Daniel não só celebrava suas medalhas naqueles poucos minutos depois do pódio, ele fazia algo que há muito não conseguia: estar com a família!

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Família também virou o time de Daniel. Ele reconhece que o Comitê ofereceu o que havia de melhor na sua preparação. Não foi a toa que quebrou todos os protocolos possíveis e imagináveis ao convidar o Presidente Andrew Parsons a escutar o hino nacional ao seu lado, no último ouro individual do último dia, os 100 metros nado livre.

Daniel cita o treinador Marcos Rojo Prado, Marcão, sua comissão multidisciplinar, cita a lesão, a primeira vez que teve de lidar com algo deste tipo na carreira. Sem o apoio e o trabalho de todo este time, “nada disso seria possível”.

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Marcão me alertava que o início dos Jogos era a prova que ele mais focava, os 200 metros nado livre. O objetivo era bater o recorde mundial que se mantém imbatível desde 2012. Daniel saiu forte, mas cansou, errou na frequência e mesmo vencendo com facilidade não chegou nem perto da marca.

Depois disso vieram ouros nos 50 e nos 100 livre, nos 50 costas, prata nos 100 peito, no revezamento 4×50 livre misto, no 4×100 livre, e bronzes nos 50 borboleta e no revezamento 4×100 medley. No total, nove medalhas, o maior medalhista dos Jogos.

Isso só fez aumentar o seu já avantajado currículo. Foram nove medalhas em 2008, seis em 2012 e agora nove, 24 no total, 14 de ouro. Terminou o Rio 2016, como o nadador mais medalhista da história. Na sua frente, só uma nadadora, a americana Trischa Zorn, com 55 medalhas.

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“Eu nunca tinha vivenciado isso. Nadar com aquele público todo, é bom, mas é uma pressão. Ajuda e também atrapalha”. Daniel sabe que a emoção lhe tocou e demorou para entender como lidar com tudo isso. Disse que durante a competição levou um papo com Marcão e disse: “Eu vou curtir, é algo que eu preciso aproveitar, isso nunca mais vai acontecer”.

O “curtir” de Daniel é disfrutar de todo aquele apoio recebido pelo público, foi poder nadar para se divertir, curtir e dividir com a família. Transformar toda a energia, a pressão, o impacto, na alegria de poder nadar a Paralimpíada no Brasil.

Uma coisa bem intrigante para quem acompanha o esporte é fazer uma análise sobre a performance de Daniel. Nadar nove provas em oito dias, eliminatórias e finais, toda a pressão de disputar uma competição que você se prepara por quatro anos.

Paralimpíada, assim como Olimpíada, é lugar para se ganhar medalhas, os recordes não são o mais importante. Se vierem melhor, e não vieram. Ou melhor, na última prova, quando Daniel já estava morto, depois de toda aquela emoção dos 100 livre, mas era a responsabilidade de abrir de costas o revezamento 4×100 medley. Um revezamento que o Brasil nunca havia subido ao pódio em Paralimpíadas e junto de Ruan Souza, André Brasil e Phelipe Rodrigues fechou de forma emocionante a competição.

“É lógico que não faz sentido fechar o programa batendo o recorde mundial. Mas já tinha sido tantas emoções, tantas coisas boas, uma semana incrível, que nadei aqueles 100 costas com tudo o que me restava”. E foi assim que Daniel Dias mandou 1:16.24, novo recorde mundial da classe S5.

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O Brasil estava em sétimo quando Ruan Souza pulou na água. Um bom parcial, melhor que sua marca pessoal e diminui a diferença, mas ainda entregou na quinta posição. André Brasil ganhou duas posições. Aos 32 anos sofreu um bocado com o nível da competição da classe S10 no Rio 2016. Foi guerreiro para entregar o revezamento com perspectiva para Phelipe. Este foi buscar. Passou a Holanda e a Austrália a poucos metros da chegada. O Brasil comemorou muito o bronze histórico.

Um dos maiores desafios destes Jogos Paralímpicos foi desvendar as regras, os critérios, as nuances da modalidade. O revezamento de pontos é interessantíssimo. Este é de 34 pontos e você tem de montar a melhor equipe possível com a soma dos atletas chegando ao número exato ou ao mais próximo disso.

A China campeã do 4×100 medley utilizou dois S8, dois S9, a Ucrânia um S6, um S8, um S9 e um S10, o Brasil um S5, um S9 e dois S10. E nesta complexa combinação de números a busca pela melhor formação.

Classificação funcional é outro lado controverso do esporte paralímpico. Daniel, sempre foi classe S5. É a classe “mais alta das baixas”. Seu desempenho sempre esteve acima da média.

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Diferentes deficiências representam diferentes momentos na piscina. Amputados de perna tem pior saída, amputados de braço tem pior final de prova. As dificuldades são tantas, a superação é o que mais sobra. Daniel consegue ser quase perfeito.
Danilo Glasser, ex-medalhista paralímpico e que trabalhou como comentarista no SporTV nas três últimas duas Paralimpíadas é quem define: “Definir Daniel não é pela deficiência, e sim pela eficiência”.

Assim, detalhes como trabalho submerso, frequência de braçada, finalizar bloqueando, elementos que realmente colocam Daniel num patamar diferenciado, é uma referência no esporte. Isso é produto de trabalho, de treino. Seja em Bragança Paulista nos treinos diários, nos training camps na Espanha ou no Centro em São Paulo. É esforço que faz de Daniel o maior de todos.

“O que vem pela frente?”, perguntou eu a Daniel. “Férias” diz ele. Meias férias, afinal, mesmo estando fora das piscinas, os compromissos, entrevistas, visitas e palestras, homenagens, tantas coisas que os pequenos Asaph e Danielzinho seguem esperando.
Bom mesmo foi ver Daniel Dias de volta as piscinas na semana passada. Entretanto, não foi para treinar com Marcão, e sim para a aula de natação com Asaph. Um momento inesquecível para o pai, e com certeza para o filho que brigava com o irmão na caça do mascote de cabelo colorido pelas medalhas conquistadas.

Daniel não fala com detalhes sobre o futuro. Diz que ainda vai conversar com Marcão e definir o próximo ciclo. Mais família, isso é certeza. Tóquio 2020 segue na mira, talvez menos provas, mas vai estar lá.

O que desgasta um nadador não é competir tantas provas nos Jogos. É sim treinar para competir todas elas. Isso com certeza deve ser revisto e reanalisado. Daniel quer ser líder do esporte paralímpico no país (como se isso ainda fosse preciso!). Quer promover e participar da popularização entre os jovens.

Me revelou estar muito mais motivado para as Paralimpíadas Escolares do que para o Circuito Caixa Loterias. Ambos acontecem em novembro. Quer estar lá, dividir com a garotada a experiência.

18/09/2016 - Brasil , Rio de Janeiro, Parque Aquático - Jogos Paralímpicos Rio 2016 - Daniel Dias e Clodoaldo Silva, durante entrevista coletiva. © Washington Alves/MPIX/CPB

18/09/2016 – Brasil , Rio de Janeiro, Parque Aquático – Jogos Paralímpicos Rio 2016 – Daniel Dias e Clodoaldo Silva, durante entrevista coletiva.
© Washington Alves/MPIX/CPB

O esporte paralímpico cresceu muito. “De 2005 para cá”, diz ele, “é outro mundo”. E continua “O mesmo impacto que Clodoaldo me trouxe em 2004, o Daniel levou para outras gerações, e que venha outro em 2020”.

Tomara que ele seja tão simples, tão simpático, tão inspirador como você.

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