A Best Swimming decidiu fazer uma consulta a um especialista sobre o caso Arthur Pedroso versus Corinthians e identificamos o advogado Renato Britto Barufi como a pessoa adequada para isso. Ex-nadador e advogado com especialização em Direito e Processo do Trabalho nos traz em detalhes a sua visão para o caso.

 

O caso Arthur Pedroso versus Corinthians

“Corinthians é acionado na justiça por ex-atleta da natação, que pede até pensão vitalícia”, a notícia que foi veiculada ao site Meu Timão tem causado alvoroço na comunidade aquática desde o último sábado (06). Muito se falou sobre o caso durante a semana, alguns defendendo o atleta, outros brincando com alguns pedidos como o agravamento de uma rinite alérgica pelo cloro da piscina, outros defendendo o clube, mas o que se notou de um modo geral foi o desconhecimento de matérias técnicas nos comentários e a busca por esclarecimentos jurídicos.

O presente texto visa explicar o que está sendo discutido no processo, suas consequências e principalmente pontuar a respeito da figura de um atleta profissional. Evitamos a utilização de termos jurídicos e transcrição de legislações para que a leitura seja mais leve.

Antes de adentrar no assunto propriamente dito, cumpre esclarecer que o Código de Ética e Disciplina dos Advogados não permite que sejam aqui tecidos comentário a respeito da atuação do advogado do atleta. Também não faremos o chamado juízo de valor, ou seja, dizer quem está com a razão no processo.

Feitas tais considerações iniciais, passemos a um resumo do que está sendo cobrado na ação.
Em síntese Arthur pleiteia (1) pensão vitalícia; (2) reembolso dos valores gastos com equipamentos; (3) indenização por danos morais; (4) verbas rescisórias, conhecidas popularmente como “acerto”.

O pedido de pensão vitalícia é justificado pelo nadador em razão da aquisição de lesões pelo descaso do clube no tratamento médico, são elas, Epicondilite Medial no cotovelo e lesão no joelho esquerdo (não especificada na petição). Estando Arthur incapacitado, segundo ele, para o resto de sua vida, deverá o Corinthians arcar com o pagamento de um salário até que ele complete 73 anos.

Sobre esse pedido, vamos a alguns esclarecimentos importantes. Para o pleito ser atendido pelo juiz Arthur precisará demostrar que suas lesões foram desencadeadas ou agravadas pela natação, que realmente houve um descaso do Corinthians no tratamento das moléstias e que ele não conseguirá mais exercer a sua profissão de nadador.

Ocorre que tal matéria é eminentemente técnica, o juiz não tem conhecimento de questões médicas e por isso será designado um médico perito para realizar essa análise, o que será determinante para a configuração do dano ou não.

Sendo reconhecida a lesão, a incapacidade e que ela decorreu da negligência do clube, o juiz irá aplicar o que diz o nosso Código Civil[1]. A norma determina ao responsável pela incapacidade o pagamento, além das despesas médicas e prejuízo sofrido, uma pensão no valor “correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou”.

Com relação ao pedido de reembolso dos valores gastos com equipamento, o nadador informa que os materiais eram essenciais ao exercício de suas atividades e por isso deveriam ser custeados pelo Corinthians.

O pedido de danos morais decorre da pressão sofrida durante os treinamentos e o abandono com relação a situação médica.
Por último as verbas rescisórias, aqui considerando, 13º salários, férias, aviso prévio, FGTS e indenização de 40%, são todos pedidos que irão depender do reconhecimento do nadador como profissional/empregado do Corinthians.

Certo é que o ponto central de debate na ação será a respeito da profissionalização do atleta de natação.

Em sendo caracterizada a relação de atleta profissional, o raciocínio que devemos ter é que Arthur será considerado como um empregado comum do clube, fazendo jus a 13º, férias, FGTS e etc…

Contudo, caso o nadador seja caracterizado como atleta amador, nada de verba trabalhista ou reembolso será devido, já que os riscos da atividade do atleta amador devem correr por conta própria.

E você deve estar curioso para saber como distinguir as duas figuras. Pois bem, esse exercício é muito subjetivo e demandará uma análise de todas as provas que serão realizadas no processo, não cabendo a nós apontar o caminho a ser tomado pelo juiz.
Neste momento, apenas a título de exposição, passaremos a mostrar quais os parâmetros colocados pela lei para considerar o atleta como profissional, cabendo aqui destacar que o direito não é uma ciência exata, mas sim interpretativa.

A Lei Pele (Lei n. 9.615/98) não aponta especificamente quais serão os requisitos para considerar um atleta como profissional, apenas faculta as partes (atleta e entidade de prática desportiva) que convencionem a modalidade de contrato[2]. Entretanto, na grande maioria dos casos esse acordo não existe, cabendo ao Judiciário fazer a interpretação dos fatos ocorridos.

Dessa forma, as exigências para considerar o atleta como profissional e consequente empregado estão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo quatro[3]: subordinação, habitualidade, onerosidade, pessoalidade. Inexistindo uma delas não será possível o reconhecimento do vínculo de emprego.

Com relação aos três últimos, a caracterização é relativamente simples. Será habitual aquele trabalho que não é eventual, pensando em um atleta que treina todos os dias, não vemos dificuldade no preenchimento do requisito. Onerosidade significa que o empregado deve receber um pagamento, o que também acontece na grande maioria dos atletas de alto rendimento. Com relação a pessoalidade, ela se caracteriza quando a pessoa contratada não pode ser substituída no trabalho, sendo evidente na natação, cuja a figura do atleta é insubstituível, devendo ele comparecer aos treinos e competições.

A espinha dorsal da polêmica e que poderíamos fazer uma dissertação sobre o assunto é a existência ou não de da figura da subordinação no contrato de atleta.

Para que a pessoa seja considerada como empregado ela deve estar subordinada aos poderes do patrão. São exemplos de subordinação o fato do empregado não ter opção de escolher os dias de trabalho, ou até mesmo a maneira como o serviço será prestado, tudo isso ficará a cargo do patrão.

Acontece que, quando pensamos na subordinação de um atleta à figura do clube, o assunto se desdobra em uma série de complicações interpretativas. Pense, por exemplo, o nadador treina todos os dias e respeita as ordens de seu técnico por interesse próprio em evoluir no esporte ou faz isso para cumprir com ordens do clube?

Parece-nos que a celeuma é resolvida quando analisamos a prática do esporte sob a ótica da liberdade. O atleta não profissional tem a escolha de parar de exercer sua atividade a qualquer tempo, sem que isso lhe acarrete uma punição. Já o atleta profissional, e aqui nos espelharemos no futebol, não possui essa liberdade, ele precisará exercer a sua atividade até que termine o contrato, suas faltas, ou não comprometimento com o clube irão acarretar punições monetárias.

Destacamos, por fim, que o fato do esporte ser exercido em alto rendimento não caracteriza o atleta como profissional só por esse fim, sendo necessário o preenchimento dos requisitos colocados anteriormente. As entidades desportivas podem admitir atletas profissionais e não profissionais conjuntamente[4]. Deste modo reconhecer o Arthur ou qualquer outro nadador como profissional não necessariamente levará ao enquadramento dos demais atletas na mesma forma.

Muito mais poderia ser dito no texto de hoje, contudo não tivemos a intenção de exaurir o assunto, mas sim colocar alguns pontos para que você pense sobre algo pouco debatido no mundo da natação.

 

Renato Britto Barufi
Advogado inscrito na OAB/SP sob o nº 361.289. Professor de Direito e Processo do Trabalho em Cursos de Pós-Graduação e Preparatórios para OAB. Escritor de artigos para revistas especializadas. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Mestrando em Direito. Idealizador da página @artigosetimo no Instagram. E-mail: rbbarufi@gmail.com

_________________________________________________

[1] Art. 950 do CC: “Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.”
[2] Art. 26 da Lei n. 9.615/98: “Atletas e entidades de prática desportiva são livres para organizar a atividade profissional, qualquer que seja sua modalidade, respeitados os termos desta Lei.”
[3] Art. 3º da CLT: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

0 respostas

Deixe uma resposta

Want to join the discussion?
Feel free to contribute!

Deixe um comentário