Chegamos ao nosso último artigo da série 4×100 livre masculino: Projeto medalha para o Brasil no Rio 2016. Desta vez, é a hora de entrar no aspecto técnico, a escalação, as estratégias e as trocas. Últimos detalhes que identificam uma grande oportunidade para o revezamento brasileiro rumo ao pódio nos Jogos Olímpicos do Rio 2016.

Até agora publicados:

Parte 1 – A história que faz o evento tão difícil e especial 

Parte 2 – Como está o ranking e quem são os inimigos 

Parte 3 – 47, o número mágico 

Parte 4 – A dança das cadeiras

Agora é hora das Passagens & Estratégias.

“A ordem dos fatores não altera o produto” foi dito pela primeira vez pelo matemático italiano Giuseppe Peano no século 19, quando formulou uma axiomática, uma teoria incontestável. Na sua conclusão, os operações de adição e multiplicação nas suas propriedades mesmo alterando a ordem ainda teríamos o mesmo produto.

Muito antes de Peano os matemáticos já sabiam que esta propriedade era verdadeira, mas foi ele que formalizou nas palavras.

Na formação das equipes de revezamento, o que é incontestável na matemática, não vale nada na natação. Uma boa escalação adequada e ajustada faz a diferença em performances que muitas vezes decidem as provas, e até as competições.

É onde entra o dedo do treinador. Identificar seus atletas, suas características, suas qualidades e defeitos. Também vale o conhecimento de seus adversários, as condições e até mesmo as suas deficiências.

Na análise do revezamento 4×100 livre masculino e as chances de medalha do Brasil nos Jogos do Rio 2016 é importante fazer um apanhado de como tem sido as escalações de nossa equipe e, principalmente, de nossos adversários.

As opções são múltiplas. Abrir com o nadador mais forte e dar uma “moral” ao grupo abrindo na frente, ou fechar com o nadador mais veloz deixando a emoção para o final. Ainda existem as variações de colocar os melhores nadadores do meio, estratégias que muitas vezes “viram” o jogo num efeito surpresa aos adversários.

O abrir com o melhor nadador tem um efeito moral muito forte. E, quando bem executado o parcial, funciona. Foi assim que César Cielo ganhou moral abrindo o revezamento olímpico de 2008 em Beijing nadando pela primeira vez para 47 na sua carreira. Cielo voltou a abrir o revezamento do Brasil no Mundial de 2009 em Roma, tanto na eliminatória como na final da prova, em ambas quebrando o recorde de campeonato da prova 47.39 e 47.09 respectivamente.

Nossos melhores resultados foram com Cielo abrindo

Nossos melhores resultados foram com Cielo abrindo

A Austrália também utiliza com frequência o melhor nadador abrindo. Foi assim na conquista do ouro dos Jogos Olímpicos de Sydney, a famosa batalha das guitarras, onde Michael Klim abriu com novo recorde mundial da prova dos 100 livre com 48.18.

Eamon Sullivan também foi o primeiro no revezamento australiano dos Jogos de 2008 e James Magnussen abriu muito bem no Mundial de Shanghai com 47.49, melhor até que os 47.63 quando venceu a prova dos 100 livre alguns dias depois.

Outro revezamento olímpico histórico, o ouro da África do Sul em 2004 em Atenas teve Roland Schoeman, na época o melhor tempo da equipe abrindo com 48.17 e o time respondendo bem mantendo a liderança até o final.

África do Sul ouro em Atenas 2004

África do Sul ouro em Atenas 2004

Michael Phelps nunca foi o melhor tempo da Seleção Americana nos 100 livre, entretanto, sua atitude competitiva sempre foi admirada e várias vezes ele foi escalado para abrir. Nos Mundiais, Phelps nadou quatro vezes o 4×100 livre, ouro em 2005, 2007 e 2009 e bronze em 2011. Todas foi o primeiro a cair na água.

Nos revezamentos olímpicos, Phelps entrou na equipe a partir de 2004 em Atenas nadando na segunda posição quando os americanos terminaram com o bronze. Em 2008, abriu e o time foi campeão. Em 2012, foi o segundo, atrás de Nathan Adrian, e os americanos terminaram com a prata.

Ter um nadador para abrir revezamentos muitas vezes é confiança, atitude e liderança. O Brasil na geração anterior da velocidade tinha em Fernando Scherer a sua figura para abrir. Foi com Xuxa abrindo que fomos ouro no Mundial de Curta de 93, de 95 e na medalha olímpica de Sydney.

A outra grande discussão na formação dos revezamentos é quem fecha. A tradicional formação mais utilizada nas categorias inferiores é ter o melhor nadador fechando. As vezes dá certo, as vezes nem tanto.

James Magnussen fechou o revezamento da Austrália no Mundial de Barcelona em 2013 e a equipe ficou em quarto lugar. No Mundial de 2011, os americanos tiveram Nathan Adrian fechando para um bronze. Adrian também fechou em 2009, em Roma, quando os americanos levaram o ouro.

Muitas vezes, o nadador que fecha nem é o melhor nadador, mas o que mais se supera. Jason Lezak fechou os revezamentos americanos de ouro nos Mundiais de 2005 e 2007, mas ficou famoso pela sua fechada do revezamento olímpico de 2008 em Beijing. Na prova, Lezak caiu na água atrás do francês Alain Bernard, na época o melhor nadador do mundo na prova e que dois dias depois se sagraria campeão olímpico da mesma. O resultado do 4×100 livre, e a performance de Lezak entraram para a história olímpica como um dos melhores momentos do nosso esporte.

Comemoração de Beijing 2008

Comemoração de Beijing 2008

Se deu certo para os americanos, deu errado para os franceses. Ter fechado com Alain Bernard recebeu inúmeras críticas na época. Fred Bousquet foi apontado por todos como mais indicado para o serviço, principalmente pela sua fama e boa condição de fechar revezamentos adquirida no seu tempo de Universidade de Auburn e inúmeros títulos de NCAA.

Outro que fecha bem e já ganhou esta vaga por tradição é o italiano Filippo Magnini. Sem muita velocidade, Magnini normalmente até dobra seus parciais de 100 livre em finais sempre bem emocionantes para os italianos.

Magnini, o rei da fechada

Magnini, o rei da fechada

O Brasil na década de 90 teve Gustavo Borges fechando a grande maioria dos nossos revezamentos. A mudança veio na final olímpica de Sydney em 2000. Na oportunidade, os treinadores junto com os atletas optaram por uma estratégia diferente para a final colocando Xuxa para abrir e Gustavo na segunda posição. A mudança deu uma boa vantagem ao Brasil que acabou levando o bronze depois das performances de Carlos Jayme e Edvaldo Valério.

A França campeã olímpica e mundial teve estratégias distintas. Em 2012 em Londres, Yannick Agnel fechou majestosamente para 46.74 conquistando o primeiro ouro do país nesta prova em Olimpíadas. Em Barcelona no ano seguinte, Agnel abriu o revezamento que conquistaria o título mundial junto com Florent Manaudou, Fabien Gillot e Jeremy Stravius.

A estratégia de colocar um dos nadadores mais fortes no meio também causa surpresas na troca de posições. Os russos são especialistas nisso. Alex Popov nadava com frequência no meio e agora é Vlad Morozov que tem nadado entre a segunda e a terceira posição.

Colocar o melhor nadador no meio, muitas vezes é quando este nadador é muito melhor que os demais companheiros de equipe. Foi assim com a Holanda vice campeã de Atenas em 2004 onde Peter van den Hoogenband nadou na segunda posição.

Armar a ordem adequada é algo que pode/deve ser treinado, mas também pode ser trocado até mesmo no dia da competição. Os treinadores têm autonomia para identificar algum fator local e no dia da prova, não só na sua equipe como nos adversários que pode representar a mudança de estratégia.

Mas não é só a ordem que é importante neste processo. A troca dos nadadores pode representar diferença e detalhes decisivos no resultado da prova. Identificando isso o COB já autorizou o treinamento da equipe brasileira do 4×100 livre em um “relay camp” a ser realizado no exterior.

A idéia é reunir alguns de nossos melhores nadadores para alguns dias de treinamento em conjunto e a participação em alguma competição internacional. Isso já está sendo feito com o atletismo e a natação também ganhará esta condição em 2015 após a identificação de que o 4×100 livre do Brasil tem reais condições de subir ao pódio no Rio 2016.

A troca de revezamentos praticada e testada dá a equipe confiança e tranquilidade para executar movimentos bem próximos da perfeição. No último Mundial de Doha em dezembro, a Bélgica ficou em sexto lugar e teve duas trocas zeradas, isso mesmo, velocidade de reação da chegada do nadador e saída do companheiro em 0.00.

A Itália também teve uma troca zerada e os italianos tem sido os melhores neste aspecto há algum tempo. O melhor resultado da história em trocas de revezamento é dos italianos. Foi no Mundial de Barcelona onde a equipe terminou em quinto lugar. Depois de abrir com Lucca Dotto, Luca Leonardi saiu com 0.03 de reação, Marco Orsi saiu com 0.02 de reação e Filippo Magnini fechou com reação perfeita zerada. Um acumulado de 0.05 número jamais alcançado na história da natação mundial.

O Brasil também tem bons resultados na troca de revezamentos. No Mundial de Doha, ficamos em oitavo lugar e nosso acumulado foi 0.40 atrás da Bélgica 0.18, Itália 0.27 e Austrália 0.32.

Veja as trocas do revezamento de Doha 2014 onde os belgas tiveram duas trocas zeladas.

No Mundial de Barcelona, o revezamento brasileiro teve uma troca acumulada de 0.55 atrás da Itália 0.05 e Japão 0.45.

Nos Jogos de Londres, o Brasil ficou em nono lugar, mas nossa troca 0.46 teria sido a melhor da final.

Escolher os melhores nadadores, armar na posição correta e fazer as trocas adequadas. Tudo parece fácil e calculável, o que não é. Porém, uma preparação bem feita, projetada e planejada terá muito mais chance de bom resultado.

Para quem acompanhou a série da Best Swimming viu em números e detalhes que a chance do Brasil existe e vai ser considerada. O grupo é bom, a expectativa é grande e o resultado com bom planejamento e trabalho poderá acontecer.

8 respostas
  1. Carlos Baiano
    Carlos Baiano says:

    Perfeita a leitura do Coach. Infelizmente Guido não oferece o que precisamos nos 100m costas. Em relação aos 100m borboleta, acredito que Thiago Pereira é capaz de fazer um parcial digno, em torno de 51 baixo. Mas, como bem ressaltou o coach, uma final já seria um feito digno. Um pódio seria um milagre.

  2. Alex Pussieldi
    Alex Pussieldi says:

    As chances são bem diferentes. Os 100 costas e os 100 borboleta ainda comprometem e não estamos no nível dos melhores do mundo, pelo menos até agora. As chances hoje são de final.

  3. Dory
    Dory says:

    Parabéns coach por essa excelente serie de post.Gostaria que o sr fissese pelo menos um post sobre o 4x 100 medley,se o brasil tem chanse de medalha de chegar na final.Boa tarde.

  4. Nadador
    Nadador says:

    Coach, se não me engano, em 2004 em Athenas, Peter fechou o revezamento da Holanda fazendo 46 e passando os EUA nos final. Não???

  5. Carlos Baiano
    Carlos Baiano says:

    Acho temerário não convocar ao menos um reserva. Sempre pode acontecer algo inesperado com algum dos atletas.
    Concordo com DDias, a saída de revezamento de Cielo é fantástica, melhor que a da prova individual, devendo levar-se em conta, ainda, que ele já provou ser muito raçudo, como acabamos de ver mais uma vez no mundial de Doha. Acredito que Cielo seja o nome ideal para o fechamento. Precisamos agora de alguém que bata no peito e peça pra abrir!

  6. Alex Pussieldi
    Alex Pussieldi says:

    Ainda é cedo para falar em nomes. Existem pelo menos 8 a 10 nadadores que poderão estar entre os 6. Lembrando que desta vez, os reservas precisam nadar nas eliminatórias, ou seja, a CBDA vai ter de pensar muito bem em convocar ou não reservas.

  7. DDias
    DDias says:

    Tem alguns fatores que ainda terão que ser levados em conta ante s de montar o nosso A team.Se o Santana evoluir, pq não abrir com ele?O Cielo não tem mais a fantástica saída de outrora depois que operou os joelhos, mas a saída de revezamento dele ainda é fantástica.Não me surpreende um 46 mesmo que ele não quebre 48 na prova individual.Quanto o De Lucca irá evoluir treinando só em longa esse ano?O Fratus vai ficar consistente nos 100?O Chieriguini voltará a forma de 2013?Aguardem os próximos capítulos…

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