Evidentemente o “porcaria” é uma forma sarcástica de destacar o que se viu no domingo em transmissão para todo o Brasil pela TV Globo.

O “porcaria” do Raia Rápida é um torneio comentado e mencionado no mundo inteiro pela mídia especializada e que a empresa Effect Sports realiza todos os anos trazendo alguns dos melhores velocistas do mundo.

O “porcaria” que não vale nada, rendeu 12 milhões de telespectadores no país. Uma hora inteira de natação na TV aberta, para todo o Brasil na emissora líder de audiência.

Estamos falando de Rede Globo, que de 2010 a 2014 não pode mostrar imagens dos Campeonatos Mundiais de Longa (2011 e 2013), de Curta (2010 e 2014), nem da natação dos Jogos Pan Americanos (2011 e 2015) todos sob contrato da Rede Record durante este período. É a lei do investimento, quem paga, leva, mas é inegável, que grande parte da população nacional deixou de ver natação na TV aberta no país.

Durante o Pan de Toronto, o SporTV comemorou perto dos dois milhões de espectadores para a final dos 400 medley masculino na vitória de Brandonn Almeida e a desclassificação de Thiago Pereira. Agora, nesta “porcaria”, foram 12 milhões!

Estamos falando de um país com baixa ou ausência de cultura esportiva. Confesso que fiquei um tanto desapontado durante a semana quando uma reportagem do Globo Esporte mostrou a incapacidade de alguns entrevistados em pleno centro do Rio de Janeiro de listarem pela ordem do mais veloz para o mais lento os quatro estilos da natação. Pior ainda foi ver os membros do Time de Ouro da Globo, comentaristas que foram olímpicos, enfrentarem a mesma dificuldade.

Foi triste, mas é a realidade, a dura, mas pura realidade. Nossa cultura esportiva é pobre, paupérrima, e nossos feitos não ficam longe disso não. Assim, qualquer 12 milhões de audiência e um título de Raia Rápida não pode passar batido.

Não pode mesmo. Estamos falando de resultados de alta performance, marcas que seriam destaque no Campeonato Mundial de Kazan. A melhor delas, os 50 metros borboleta de Nicholas Santos e seus 23.08 um centésimo melhor do que a marca que lhe deu a prata no Mundial. Foi o quinto melhor tempo do mundo este ano e realizado na sua terceira prova em pouco mais de 10 minutos.

Os 50 livre do americano Anthony Ervin com 22.43 e os 50 costas do sul-africano Gerhard Zandberg 25.19 seriam suficientes para chegar as semifinais do Mundial. Os 50 peito de Felipe França 27.62 ficaria perto, terminaria em 18o nas eliminatórias.

Todos tempos expressivos, feitos contra adversários fortes e qualificados. E para terminar, uma vitória incontestável, de ponta a ponta, do revezamento 4×50 medley do Brasil.

Mas pera aí, vamos comemorar e saudar o “Brasiiiilll” que a TV Globo meteu no final da vitória do revezamento? Podemos ter a certeza de que vamos destruir nos Jogos Olímpicos do Rio 2016 e encher nossos pescoços de medalhas?

Nada disso, nem perto. Voltando a citar o treinador Mano, na sua época de Corinthians, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. E a natação olímpica é outra coisa, outro mundo.

O Brasil é bom nestas provas de 50 metros nos estilos, fato! Nada três vezes por ano nos campeonatos nacionais, mais do que qualquer outra nação no mundo, fato! Nosso sistema clubístico valoriza estas provas, paga salários a atletas especialistas nestas provas, fato! A CBDA convoca nadadores para Campeonatos Mundiais com base nestas provas, coisa que não se faz na maioria dos países ao redor do planeta, fato!

Sair vencedor do Raia Rápida é apenas consequência deste sistema, mas nem por isso pode deixar de ser valorizado.

Estamos a menos de um ano dos Jogos Olímpicos. O bom nível do Brasil nestas provas não vai nos ajudar neste caminho. O trabalho é outro, o treinamento é outro, as dificuldades são outras. Apenas os nadadores são os mesmos.

A alegria do Raia Rápida foi boa, tão rápida quanto as provas disputadas. Agora, esta habilidade de nadar bem os 50 deve ser apenas a capacidade de poder voltar tão bem. Afinal, ano que vem o desafio é outro, bem maior e muito longe desta “porcaria”.

Viva o Brasil, bi campeão do Desafio Raia Rápida.

Alexandre Pussieldi, editor chefe da Best Swimming Inc.

5 respostas
  1. Cesar R Feustel
    Cesar R Feustel says:

    Concordo com o coach e tbem com Biedermann. Como técnico de trabalho de base por 23 anos , sempre tive restrições dos órgãos reguladores em apoiar a expansão da base com qualidade de profissionais especializados. Lembro das clinicas de descoberta de talentos realizadas a muitos anos atrás, normalmente em Brasília, que nem os técnicos dos ditos talentos selecionados podiam estar presentes com apoio da CBDA….jogo de cartas marcadas…..Infelizmente…nem todo os talentos vingaram após sua volta por falta de interesse dos órgãos, centralizando somente para os grandes centros e clubes abastados que pagavam para se manter em evidência.

  2. Anton Karl Biedermann
    Anton Karl Biedermann says:

    Entendo que a natação brasileira cresceu bastante nos últimos anos. Como vimos ultimamente, temos alguns valores de nível internacional. Mas como um todo ainda falta muito.
    Do lado positivo temos alguns técnicos jovens surgindo, com ideias atualizadas, só não sei se eles recebem o devido apoio para se aperfeiçoarem.
    Do lado negativo, temos uma base de aprendizado muito pequena e na sua grande maioria mal orientada, o que reduz substancialmente a possibilidade do surgimento de novos valores.
    Não seria o caso de efetuar um trabalho nacional de modernização e ampliação dessas bases?

  3. Rogério Romero
    Rogério Romero says:

    Coach, belo texto! Parece-me muito perversa (e evidente) esta lógica dos 50 estilos. Será que ninguém mais consegue ver isso?

  4. Mauro Vanzelotti
    Mauro Vanzelotti says:

    Bela análise. Este Raia Rápida não representa nenhuma preparação para a natação de competição. Nunca no clube onde nadei por anos, nem nos clubes onde meus filhos nadam ouviu-se falar desta modalidade.

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