Se existe uma coisa que todo nadador gosta de fazer é viajar. É das melhores coisas que este esporte nos traz. Conhecer o mundo então, fica ainda mais especial. O treinador australiano Scott Volkers, quando trabalhou no Minas Tênis Clube há alguns anos, me disse: “natação brasileira parece uma agência de viagem”. A observação dele era do interesse e o prazer que o nadador brasileiro tem pelas viagens, por competir lá fora. E ele não está errado!
Com o anúncio da FINA mudando a data do Campeonato Mundial de Piscina Curta que seria em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos de 15 a 20 de dezembro deste ano para 13 a 18 de 2021, no mesmo local, a conclusão é essa: não vamos ter nenhum evento internacional em 2020!
Você pode achar que estou sendo prematuro, afinal, não é uma informação concreta, é uma conclusão baseada em inúmeros fatos que faço questão de descrever e compartilhar abaixo.
A FINA, entidade máxima dos esportes aquáticos, foi a federação internacional mais atingida com a Pandemia e a consequente mudança de data da Olimpíada. Foi a única que teve cinco seletivas olímpicas canceladas (polo aquático masculino na Holanda, polo aquático feminino na Itália, nado artístico, saltos ornamentais e águas abertas no Japão). Teve o Mundial dos Esportes Aquáticos sendo obrigado a passar para 2022, mais o Mundial de Curta e etapas da Copa do Mundo que seriam em piscina curta, sem sentido sendo realizados a poucos meses da Olimpíada.
Por sinal, ainda não estão cancelados, mas é praticamente certo que não teremos nenhuma das sete etapas da Copa do Mundo deste ano, muito menos as etapas que restam do FINA Marathon Swim Series.
Mas, por que?
No próprio comunicado emitido pela FINA na mudança de data do Mundial de Curta, é mencionado que atendeu uma solicitação do Comitê Organizador e do Governo do Emirado Abu Dhabi. O país vive uma quarentena intensa, fronteiras estão fechadas e vôos internacionais suspensos.
Esta situação é quase que global. Durante toda esta Pandemia, segundo dados da ONU, cerca de 95% da população mundial chegou a estar em quarentena por algum período. Mesmo com as mais recentes reaberturas de serviços e piscinas, o acesso segue limitadíssimo, alguns atletas e alguns países pelo mundo. Quarentena e lockdown são encontrados nos cinco continentes, assim como fronteiras fechadas e cancelamento de vôos.
Austrália, um dos modelos no combate na Pandemia do Coronavírus, mesmo com todo sucesso no controle do vírus (7.081 casos e 100 mortes até 21/05), seguem com as restrições de vôo e fronteiras fechadas. Há duas semanas, mandatários políticos da Austrália e Nova Zelândia fizeram um comunicado em conjunto, onde ambos celebraram os bons resultados, mas nem por isso abriram o turismo entre as duas nações.
Isso tem um motivo. No combate a Pandemia, o esforço individual não resolve, precisa ser algo de todos, unidos numa só direção. Não vai resolver fazer todo o esforço do controle, da diminuição da curva, no aparelhamento do sistema de saúde, na educação e responsabilidade da população se você abrir as fronteiras, o turismo e receber estrangeiros que não tenham feito a mesma coisa e seguido os protocolos.
Enquanto não tivermos uma vacina, um remédio, um tratamento, uma cura, o mundo vai sofrer, e o esporte não escapa desta.
Não foi só a FINA e suas competições que foram afetadas. A ISL programava um aumento exponencial de eventos para esta temporada. Dos sete que fizeram a temporada inaugural da Liga Internacional da Natação, seriam 27 neste ano, fora o aumento de mais duas equipes.
A mudança da Olimpíada impediu o plano. Surgiu a opção de realizar um swim camp, reunindo todas as 10 equipes, cinco semanas, alternando treinos em conjunto e competições. Um plano audacioso e jamais imaginado. Mais de 300 dos melhores atletas do mundo, numa só localidade e tudo sendo transmitido num verdadeiro reality show.
O plano emergencial da ISL parece estar sendo esfacelado. O local escolhido inicialmente, Gold Coast, na Austrália, vai ser impossível pela falta de vôos e as fronteiras fechadas. Levar para outro local ainda não é a solução, já que muitos destes principais atletas serão impedidos de viajar.
O Sul-Americano dos Esportes Aquáticos que seria em março na Argentina, passou para junho e não será em novembro. Argentina, junto com a Colômbia, até cancelou todos os vôos internacionais até segunda ordem. Esta semana, se completam dois meses que todas as piscinas argentinas estão fechadas.
Não restará outra alternativa para a CONSANAT, Confederação Sul-Americana de Natação, levar o Sul-Americano para fevereiro de 2021. O Campeonato da Europa já foi transferido, o da Ásia e também da Oceania. Só falta o da África que ainda segue marcado para dezembro, mas praticamente impossível de ser realizado.
Este ano, o calendário escolar internacional tinha dois grandes eventos. As Ginasíades seriam em outubro em Jinjiang, na China. Quem em sua sã consciência mandaria seu filho a competir nos Jogos Mundiais Escolares na China no atual cenário? Fora isso, ainda tem o Sul-Americano Escolar, este marcado para Fortaelza, no Brasil, na primeira semana de dezembro. Embora ambas as competições ainda não tenham sido canceladas ou transferidas, é inviável falar em realização neste ano.
O Presidente Donald Trump dos Estados Unidos voltou a falar em suspender vôos do Brasil. A declaração pode ter conotação política, mas é principalmente de viés de proteção sanitária. Nosso país, mesmo com números bem menores do que se vive na América, temos um curva ascendente e um panorama mais instável. Embora ainda seja uma ameaça, demonstra um senso de quanto grave é esta crise e a preocupação.
Hoje, existem restrições de vôo para os Estados Unidos da Europa, da Ásia e em breve, da América do Sul. Até do Canadá!
A Primeira Ministra da Noruega Erna Solberg declarou esta semana que qualquer pessoa que chegar ao país e não conseguir comprovar exatamente o que vai fazer lá, e que seja relevante, será mandado de volta. Fala uma líder de um país que tem 8.281 casos e 234 mortes. O medo, ou os cuidados, são os mesmos, proteção a população local.
O Japão país que iria sediar os Jogos Olímpicos e Paralímpicos e por várias semanas resistiu a pressão internacional que acabou resultando na mudança das datas, ainda perdura no Estado de Emergência. Por coincidência ou não, após o cancelamento da Olimpíada em 24 de março, o país viu aumentar exponencialmente o número de casos e óbitos.
Até hoje, Japão obriga viajantes a cumprir quarentena de forma isolada e monitorada. Vôos internacionais cancelados de vários países, em especial da Europa.
O processo de retomada de nossas vidas será lento, gradual e regionalizado. Medidas prematuras poderão ocasionar reversão de quadro, coisa que já se vê em alguns lugares.
Para evitar possíveis reversões no quadro de melhora, a lentidão do processo garante condições para o estabelecimento dos protocolos adequados e principalmente a educação dos atletas neste “novo normal”.
A progressividade deste retorno será necessária. Assim, começamos com poucos atletas, em poucos lugares, com horário limitado. Isso, seguindo os protocolos de controle normatizados pelas autoridades de saúde irá deflagrar um aumento escalonado de mais atletas, mais piscinas e maior tempo de uso das dependências.
A regionalização da retomada vai ser de acordo com o sucesso de cada país, região, estado ou cidade. Lugares com melhor resultado, terão retorno mais cedo. Como estamos falando de torneios internacionais, e de diferentes políticas de controle e principalmente diferentes situações, é praticamente impossível colocar eventos nas atuais condições.
Não cabe aqui um sentimento negativista, e alarmante. O conceito é mais um direcionamento para que possamos utilizar o ano de 2020 para esta retomada lenta, gradual e regionalizada de forma adequada e precisa. Um evento internacional disputado em condições distintas, sem oferecer a equidade a seus participantes e, o pior, oferecendo risco de vida aos atletas e população local, vai muito além da irresponsabilidade civil.
Portanto, já sabe, este ano, ninguém viaja. Competições internacionais só em 2021!
Alex Pussieldi, editor chefe Best Swimming
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