Bartholomeus Roodenburch, nerlandês com 42 anos, nadou os 100 metros costas nos Jogos Olímpicos de 1908, a americana Dara Torres encantou o mundo com aquela prata por um centésimo nos 50 metros nado livre da Olimpíada de 2008 com 41 anos, ou William Henry, um heroi da natação britânica que nadou os 4 mil metros nado livre dos Jogos de 1900 também com 41 anos.
Estes três nadadores e seus feitos históricos serão ultrapassados como os nadadores mais velhos da história da natação olímpica por Siphiwe Baleka, “atleta de Guiné Bissau” de 50 anos indicado pelo Comitê Olímpico de Guiné-Bissau como classificado pelo critério de Universalidade.
Como apaixonado pelo esporte, este espaço deveria estar aqui comemorando o feito e registrando esta marca histórica. Não, estamos aqui protestando.
Não é só o desrespeito a história, e o esforço, dos três nadadores acima relacionados, e muitos outros que fizeram um tremendo sacrifício para se manter no esporte, estenderem suas carreiras e principalmente conquistarem suas vagas olímpicas.
Os critérios e as regras que permitirão Baleka ser o representante de Guiné-Bissau estão sendo cumpridas, ou seja, não se trata de fraude ou coisa parecida, mas uma brecha que mancha e desprestigia o movimento olímpico, e o pior, se perde uma grande oportunidade.
Siphiwe Baleka nasceu Tony Blake, não nasceu em Guiné-Bissau, nem seus pais, ele é natural de Montgomery em Illinois, nos Estados Unidos. De origem humilde, Blake fez um sacrifício enorme para se tornar nadador num país e estado onde a discriminação era enorme. Graças a isso, ganhou uma bolsa na conceituada Yale University e mesmo com todas as dificuldades, Blake se tornou no primeiro nadador da Ivy League, a conferência que reúne as universidades de melhor tradição acadêmica do sistema NCAA americano.
Blake foi um bom nadador, alguns resutados expressivos em torneios, mas nada a nível nacional. Até tentou nadar duas Seletivas Olímpicas Americanas em 1992 e 1996, mas em ambas nem o índice para participar ele conseguiu.
Ele também abandonou a faculdade e iniciou uma das suas primeiras viagens pelo mundo. Retornou anos depois para se graduar em filosofia, mas por 15 anos viajou o mundo inteiro. Esteve por toda parte.
Em uma de suas viagens, esteve na África do Sul, e conheceu alguns líderes de tribos locais. Decidiram lhe dar um novo nome, foi ali que Tony virou Siphiwe que quer dizer “Presente Divino” e o Blake virou Baleka, que quer dizer “rápido” e “fugitivo”.
As viagens de Baleka foram transformadas em um livro e muitas histórias. Voltou aos Estados Unidos, e mesmo com um diploma de Yale, com o espírito aventureiro, decidiu virar motorista de caminhão. Sendo que a paixão pelo esporte e a vida saudável nunca lhe abandonaram.
Baleka criou um programa de atividade física específica para motoristas de caminhão e até ganhou o título (?!?!) de “motorista de caminhão mais saudável do mundo”. Este programa também gerou outro livro.
Entre as viagens de caminhão, Baleka voltou a nadar e participou das competições masters dos Estados Unidos. Segundo os arquivos da USMS, a Federação Americana Masters de Natação, Baleka tem 138 participações em provas de natação desde 2015, mas sem competir desde 2019.
Seus melhores resultados aconteceram em 2016, quando estava na categoria 45-49 anos e nadou 30.10 nos 50 metros peito em piscina longa, além de 23.58 nos 50 livre e 1:00.09 nos 100 medley, estes dois últimos em piscina de 25 metros.
Este é Siphiwe Baleka, o motorista de caminhão que tem website oficial (link) uma página inteira de produtos desde o seu programa de treinamentos, aplicativo, videos, livros, até mesmo a oportunidade de ser orientado pelo próprio ou assistir uma palestra (link).
A pergunta que fica é qual a relação de Baleka com Guiné-Bissau, a resposta é simples, nenhuma!
A República de Guiné-Bissau é um país da África Ocidental, um dos menores do continente, com área pouco maior do que o Estado de Alagoas, e população estimada em 1,6 milhões de pessoas das quais mais de dois terços abaixo do nível de pobreza.
Independentes de Portugal desde 1973, a língua oficial de Guiné-Bissau é o português, mas falado apenas por 2% da população.
O futebol é o esporte mais popular do país e uma das poucas alegrias de uma sociedade que tem uma das mais baixas rendas per capita do mundo e ainda vive da agricultura, pesca ou das famosas castanhas de caju.
Guiné-Bissau está nos Jogos Olímpicos desde Atlanta 1996 e desde então o melhor resultado veio no wrestling, um 12o lugar nos Jogos de Londres em 2012. Aliás, todos os porta-bandeiras do país na Olimpíada foram do wrestling.
O país nunca participou da natação olímpica. A estreia será em Tóquio com Siphiwe Baleka e foi anunciada num press release publicado pela Claytown Productions, a mesma empresa que produziu o documentário “Baleka”. Ali, é informado que a cidadania de Baleka foi aprovada há duas semanas “baseada nos seus antecedents africanos”.
É inquestionável que a história de Baleka, ou Tony Blake, é inspiradora e comovente. Segundo o próprio press release, seu primo, é Jacob Blake, uma das vítimas da violência policial contra os negros nos Estados Unidos que foi baleado e morto no ano passado.
Aqui se perde uma grande oportunidade para dar a um dos 1,6 milhões de cidadãos de Guiné-Bissau o sonho e a dádiva de se tornarem olímpicos. Seria histórico e comovente.
Baleka não é o culpado disso, entrará para a história em um registro que pode até ser chamado de injusto, mas as regras lhe concederam.
Que pena…
Por Alex Pussieldi, editor chefe da Best Swimming.
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