Para quem é pesquisador ou historiador do esporte deve se lembrar, a natação foi um dos últimos esportes a se profissionalizar no mundo esportivo internacional. E mesmo assim, passadas quase 5 décadas até atletas sofrem com as dificuldades do sistema nacional e mundial.
No Brasil, temos um sistema único, é o maior sistema clubístico do mundo, com características distintas e não encontradas no sistema da natação internacional. Clubes fortes e que pagam bem, fora as bolsas e suportes governamentais. Mesmo com a cotação de nosso real em relação ao dólar, os principais nadadores brasileiros ainda podem se considerar no padrão dos muito bem pagos deste esporte.
Esta situação, entretanto, tem sofrido algumas restrições nos últimos anos. Nas décadas de 90-00, a natação do Rio de Janeiro recebeu um incremento enorme de investimentos, mas também de calotes afetando diretamente os atletas. Eram meses e meses de atraso, para um acordo ao final sempre com reduções enormes. Os nadadores precisavam do dinheiro, e mesmo saindo perdendo alguns milhares de reais, o acordo sempre era pró-Clube.
Hoje, isso não existe mais. Clubes pagam em dia, porém são cada vez menos clubes que pagam, e os investimentos e orçamentos foram reduzidos. Ou seja, temos menos clubes que oferecem salários aos atletas e pagando cada vez menos. Infelizmente, esta é a realidade e até a tendência.
A FINA introduziu os pagamentos nos Campeonatos Mundiais a partir o Mundial de Melbourne 2007, inicialmente eram os medalhistas, depois os seis primeiros colocados, e hoje todos os finalistas recebem prêmios em dinheiro. Os valores foram ampliados, chegaram a todas as modalidades aquáticas.
A Copa do Mundo de Natação também ganhou premiação em dinheiro, e desde o seu início ainda se paga os mesmos 100 mil dólares para o vencedor enquanto que nas Águas Abertas começou com 30 mil e agora paga 50 mil dólares para os campeões gerais.
Outros eventos como Mare Nostrum, Sette Colli, os Grand Prix nos Estados Unidos, entre outros, colocaram premiações para os atletas, numa forma de atrai-los, mas principalmente por algo que pouca gente fala, ou reconhece, eles precisam.
A ISL nasceu em 2019. Já foram três temporadas disputadas onde a proposta era de trazer um novo modelo de natação, mais profissional, maior reconhecimento e melhores compensações. A crítica é direta para a FINA, que pouco de sua arrecadação milionária, não premiava os nadadores de forma adequada.
Passadas três edições da ISL, os problemas são os mesmos. Atrasos na primeira, na segunda, na terceira temporada. Alguns atletas receberam tudo, outros parte e tem gente que até agora não recebeu nada da última edição. Os atrasos seguem e parecem não ter fim.
Hoje, dia 24 de fevereiro, fazem exatamente 82 dias que a ISL temporada 3 foi encerrada e os pagamentos não foram completados.
Alguém fala? Alguém critica? Alguém comenta? Alguém reclama?
Os atrasos não ficam restritos a Liga que é uma entidade privada. A FINA, entidade máxima dos esportes aquáticos, infelizmente tem tido o mesmo recorrente problema. E vem de vários anos e diferentes gestões.
Em dezembro, Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, recebeu o Festival Aquático reunindo diferentes modalidades em 17 dias de competições. Todas com boa premiação expressiva. Até hoje, nada. Estamos falando de 70 dias desde o fim do FINA Marathon Swim Series e de 65 dias do fim do Campeonato Mundial de Piscina Curta.
Alguém fala? Alguém critica? Alguém comenta? Alguém reclama?
E mais, não são apenas os atletas que não falam nada. Treinadores e profissionais envolvidos com a Liga, seguem com salários e prêmios para receber, e até mesmo a imprensa especializada. São poucas as vezes, raras, para não dizer nenhuma vez que os principais sites do esporte aquático mencionam estes constantes (e dolorosos) atrasos.
Ainda tem a ISA, International Swimming Alliance, entidade independente criada em 2021, durante uma das reuniões da ISL, um grupo de renomados atletas criou esta associação que, pelo estabelecido desde a sua fundação, iria defender e buscar os direitos dos atletas. Dede a sua criação, nunca houve qualquer tipo de publicação, nem por Press release ou redes sociais abordando o assunto.
Mas, porque ninguém fala, critica, comenta ou reclama, e é aí que vem a parte ruim de todo este problema.
É porque o nosso esporte não tem visibilidade, tem restritas e reduzidas oportunidades comerciais e baixíssimo apelo. É triste reconhecer isso, mas a vulnerabilidade do sistema está em cima da fragilidade comercial da modalidade.
Ninguém fala, critica, comenta ou reclama porque precisa e, por incrível que pareça, prefere aguardar por uma solução que pode demorar dias, semanas, ou meses.
Não pense que este tema não é discutido entre os atletas, entre os profissionais. E muito pelos jornalistas. Infelizmente, a vulnerabilidade de todo o sistema impede que o tema ganhe o devido destaque e a discussão necessária.
Uma pena.
Alex Pussieldi, editor chefe da Best Swimming.
A Natação deixou de ser esporte amador, mas continuou sendo tratada com pouco empenho por parte dos dirigentes responsáveis. O interesse do público precisava ser estimulado com campanhas publicitárias planejadas e divulgação mais ampliada na mídia.
Uma manifestação breve, mas firme que acredito desperte para o problema.
Claro que o esforco de engendrar saídas dessa inércia e das causas do inadimplemento enfocado, que não decorre exclusivamente da pandemia, não pode ser alcançado senão pelo reconhecimento do problema que começa a ser desnudado na bem enfronhada e lúcida percepção apresentada. Tenho que parabenizar!