Existem teorias de que natação é tempo, puro tempo. Outros, dizem que os tempos se fazem nos treinos, nas competições se ganham medalhas. E ainda tem um terceiro grupo, aquele que reconhece o valor de se fazer os bons tempos e de ir atrás das medalhas. Quando você melhora o tempo e ganha medalha, é a prova perfeita.

Guilherme Costa fez a “prova perfeita” da sua carreira, e mesmo já tendo sido finalista olímpico, campeão panamericano, estar no seu terceiro Mundial, aos 23 anos de idade, só agora a sua prova perfeita. Ele conseguiu encarar adversários com melhores tempos, alguns com mais experiência e resultados, não se intimidou. Mais que isso, desde as eliminatórias, a estratégia sempre foi de ir atrás do que ele buscava, uma medalha.

Dos 30 nadadores apurados pela CBDA para o Campeonato Mundial de Budapeste, somente Costa optou por não competir. Junto com seu treinador Rogério Karfunkelstein estabeleceram um plano de treinamento de altitude por três semanas. Não é a primeira vez que a dupla sobe para a altitude, mas foi a primeira vez que o destino foi a cidade de Erzurum, na região leste da Turquia.

O centro de treinamento localizado a 1.890 metros acima do nível do mar foi a casa da dupla e de treinamentos que só terminaram na terça-feira. Na quarta-feira, apenas três dias antes da estreia no Mundial, pela madrugada, com um pouco de atraso, os dois chegavam a Budapeste. Poucas horas de sono, e a dupla já estava na água, no primeiro treinamento.

Aliás, Guilherme Costa e Rogério Karfunkelstein tem feito isso com maestria. Trabalho duro, dedicação e acima de tudo projetos altos. Quem convive com Cachorrão sabe que ele fala em medalha de Mundial e Olímpica há muito tempo. Muito antes de ter chance ou oportunidade, ele já vive, treina, dorme e acorda como um medalhista. Como tem de ser!

Este padrão de exigência mais alto é também de comprometimento. Em Tóquio, foi duro. Primeiro por ficar de fora da final, depois por ver alguém que esteve quase a prova toda atrás se tornar campeão olímpico nadando na raia 8. Coincidência ou não, o tempo de Guilherme Costa hoje nos 400 livre (3:43.31) seria o suficiente para bater Ahmed Hafnaoui em Tóquio (3:43.36).

Todo este trabalho é programado, planejado. A prova de hoje ofereceu ao nadador brasileiro uma dificuldade que ele sabia que iria ter de lidar. Iria passar atrás, iria atacar e utilizar o seu final de prova, simplesmente imbatível. Os últimos 50 metros de 26.38 foram estonteantes!

Quem nada atrás tem de ter confiança no trabalho, no treinamento, mas principalmente foco por não deixar se afetar pela distância. Ao passar os primeiros 200 metros com 1:51.71, Guilherme Costa estava em sétimo lugar, quase dois segundos atrás do líder (Ellijah Winnington) e 1,5 segundos atrás do segundo colocado, o alemão Lukas Martens.

Costa esteve sempre próximo, mas só foi entrar no top 3 de toda a distância da prova quando faltavam poucos metros para a chegada. Na sua última virada, nos 350 metros, ele estava em quinto lugar. Mas aí tem o tal final de prova, e a confiança, por ter trabalho e treinado, que este final de prova vai vir e pode ser utilizado.

E não é fácil nadar atrás e saber que você tem, e pode, crescer para um arremate final. Guilherme virou em sétimo nos 50 livre, em sexto nos 100 e 150, caiu para sétimo novamente Enos 200, ficou em sexto nos 250 e 300, e na última virada estava em quinto. Tudo isso é treinável, e não estamos falando apenas de ritmo ou parciais, mas de controle emocional e atitude.

Parciais são estabelecidos e a competição é a oportunidade de colocá-los em prática: 26.18, 28.06, 28.66, 28.81, 28.73, 28.50, 27.99 e 26.38, são apenas números, mas traduzem um programa de trabalho onde tudo foi planejado.

Na quarta-feira, após o treinamento de reconhecimento, Guilherme Costa e Rogério Karfunkelstein falaram com a Best Swimming. Comentaram o quanto foi positivo o treinamento de altitude, mas também citaram que Budapeste era uma cidade muito especial para a dupla.

Karfunkelstein até citou que já havia morado na cidade, o primeiro nadador brasileiro a treinar competitivamente na Hungria. Também foi o primeiro Mundial de Guilherme Costa pela Seleção Brasileira e o primeiro de Kafu como treinador da Seleção Absoluta. “Tem de ser em Budapeste” falou Karfunkelstein quase que profeticamente anunciando o que estaria por vir.

Tudo isso é apenas figura de linguagem, mas com um efeito de motivação e engajamento muito forte. Sem treinamento, sem preparação e sem todo sacrifício que isso demanda, por mais focado e motivado que você possa estar, o resultado não virá. Nunca vem.

Ao classificar para a final dos 400 livre, Guilherme Costa quebrou um jejum histórico do Brasil. A prova faz parte od programa do Mundial desde a sua primeira edição, em Belgrado, em 1973, mas nunca havia tido um só brasileiro na final. O recorde sul-americano da manhã com 3:44.52 foi o terceiro de Costa na prova, o 14o na carreira.

Na final, ele saiu mais controlado e oscilou entre quinto a sétimo lugar em mais de 350 metros. Somente na parte final, e estamos falando entre o 350 e a chegada dos 400 que Guilherme Costa foi aparecer no Top 3. Enquanto o australiano Ellijah Winnington disparava para levar o ouro em bom final (26.50), o alemão Lukas Martens sentia o peso da prova forte e sucumbia para sustentar a prata, Costa atropelava todo mundo subindo do quinto, para o quarto e tocar em terceiro, 3:43.31, novo recorde sul-americano, a quarta vez nos 400 livre, o 15o de sua carreira.

Em Budapeste, para agradar ao treinador, na cidade da estreia em Mundiais, veio a primeira final do Brasil nos 400 livre, a primeira final da carreira de Costa, abrilhantada com uma medalha. E pensar que isso é apenas o início, ele tem um dos mais rigorosos e carregados programas de toda equipe. Ainda encara os 800 e 1500 livre na piscina, o revezamento, os 10 e os 25 quilômetros nas águas abertas.

Não poderia ser melhor o início no Mundial de Budapeste. Com a sua final dos 400 livre, agora, de todo programa de provas masculino do Mundial, o Brasil só não conseguiu colocar atleta em finais apenas em uma prova. Os 800 livre, prova que acontece na segunda-feira, e pelo que se viu nos 400, é mais um tabu que vai cair. Quem ousaria de duvidar disso vai levar uma mordida do Cachorrão…

1 responder
  1. Igor Daiha
    Igor Daiha says:

    Coach, primeiro muita admiração pelo trabalho dessa dupla. Ambos com mentalidade de campões! Ambição com humildade.

    Segundo, muita admiração pelo seu trabalho! Que belo texto. Conseguiu traduzir o sentimento dos amantes da natação. Grande abraço!

    Vamo pra cima cachorrão!

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