Não vou falar do Enhanced Games, já falei o suficiente de algo que eu mesmo citei, não é esporte. Se você perdeu, leia o editorial clicando aqui.
Vou falar de Ben Proud, um dos maiores velocistas do mundo e vivendo a melhor fase de sua vida no esporte. As vésperas de completar 31 anos, é incontestável que Proud ainda aguentaria pelo menos até Los Angeles 2028 e a menos de um ano dos Jogos do Commonwealth Games e do Campeonato Europeu, todas estas e ainda os Mundiais onde teria tranquilamente chances de medalhas e talvez até de ser campeão.
Proud foi vice campeão olímpico no ano passado e há menos de dois meses foi vice campeão mundial em Singapura. Agora, anuncia a “aposentadoria” do esporte e vai para o Enhanced Games.
Não vou defender o Enhanced Games, longe disso, mas o que leva um atleta profissional deixar o seu esporte na melhor fase da sua carreira? Indepndente de ele ir disputar um torneio paralelo e sem noção, que poderia ser qualquer outra coisa iniciando uma nova fase de sua vida profissional.
Porque?
Um atleta de alto rendimento precisa sacrificar anos de sua vida pessoal e profissional para o esporte que ele pratica. Proud ainda teve a oportunidade de se graduar na University of St. Mark & St. John em Sports Development & Coaching, mas para quem acumula 30 medalhas internacionais, uma prata olímpica, três vezes campeão mundial, que experiência na profissão ele tem? Qual a perspectiva de amanhã ou depois deixar o esporte e ter um bom emprego?
Como atleta de alto rendimento, ou altíssimo, Proud faz parte do programa de suporte do UK Sports., uma entidade que funciona como o Ministério do Esporte da Grã-Bretanha, e recebe cerca de 28 mil libras esterlinas por ano (quase 200 mil reais). Parece muito para a realidade brasileira, mas na Grã-Bretanha isso seria impossível de viver somente como atleta, é um salário muito abaixo das suas necessidades.
O problema da falta de compensação no esporte, e em especial na natação, não é um fato isolado e requer uma atenção há muito tempo. Recentemente publicamos no Blog do Coach uma comparação das premiações do Mundial de Atletismo que está começando no Japão e do Mundial dos Esportes Aquáticos em Singapura.
O campeão mundial do atletismo vai levar 70 mil dólares para casa enquanto os campeões da natação ficaram com 20 mil dólares. Proud que foi prata em Singapura ganhou 15 mil dólares. Se fosse no atletismo o seu título de vice campeão mundial lhe daria mais do que o dobro, 35 mil dólares. Os nadadores recebem a mesma premiação em Mundiais há 10 anos, desde o Mundial de Kazan 2015.
Ou seja, Proud, mesmo sendo um dos melhores do mundo, no melhor da sua fase, no alto da sua carreira, não recebe o suficiente nem de seu país, nem dos patrocinadores (AirAsia & Aquasphere) e nem da World Aquatics para garantir o seu futuro e de sua família. Ao deixar o esporte, e mergulhar neste novo mundo, Proud vai finalmente ter uma perspectiva melhor de vida.
Nem a perspectiva da chegada das provas de 50 metros nos estilos onde Proud era um dos mais fortes candidatos a medalha em Los Angeles o fez resistir a tentação das propostas que ele vislumbra.
Diferente dos outros cinco nadadores (ou ex-nadadadores) previamente anunciados pelo Enhanced Games, Ben Proud vem de outra prateleira e expõe um problema grave que precisa ser abordado de melhor forma. O nosso esporte está em risco se não conseguirmos oferecer um sistema mais conectado com a realidade e necessidade que ele exige.
Para quem ainda não se deu conta, Proud vai ganhar nestes próximos oito meses (Setembro a Maio de 2026), mais do que recebeu nos últimos 15 anos, quando era um jovem de apenas 16 anos de idade saindo da Malásia para ir treinar e estudar na Grã-Bretanha e se tornar no recordista nacional dos 50m livre e 50m borboleta.
Proud foi cuidar da sua vida, do seu futuro. Se você seguir no mesmo argumento de que ele “vendeu a alma”, apenas relembrando, Enhanced Games nem esporte é. O esporte é o que ele fez por tanto tempo e nunca recebeu o que realmente valeria a pena para continuar nele.
Por Alex Pussieldi, Editor Chefe Best Swimming