Eu era guri, atleta da natação do Grêmio Náutico União em Porto Alegre e vi as poucas imagens que nos chegavam dos Jogos Olímpicos de Munique. Os jornais eram a nossa fonte de informação nos feitos do nadador americano que entrou para a história com sete medalhas de ouro. Nem aquele ataque terrorista que parou a Olimpíada e levou a vida de 17 pessoas conseguiu abafar os feitos de Mark Spitz, para a minha juventude, o maior dos maiores.

Nos anos seguintes, Spitz aposentado, pode desfrutar de algo que não era possível como atleta. Assinou contratos de publicidade, apareceu intensamente em comerciais e programas de TV. Spitz virou a marca mais desejada da natação mundial. Lembro com carinho da minha sunga, igual a de Spitz, nas mesmas cores, o mesmo modelo.

Os anos passam, outros nomes e ídolos aparecem. Nos Jogos Olímpicos do Rio 2016, a minha quarta experiência olímpica, dentro das responsabilidades pré-cobertura me chamaram para ajudar na montagem do programa “É Campeão”. O SporTV montou um programa histórico reunindo lendas do esporte mundial que todas as noites durante a cobertura faziam um programa de uma hora sob o comando de André Rizek.

Na montagem do programa, era necessário testar o sistema de tradução automática, ter a certeza de que tudo iria funcionar de forma adequada. Nestes programas pilotos atuei como Mark Spitz. Assim, o Rizek me fazia a pergunta em português, eu não respondia, aguardava o tradutor me passar a pergunta em inglês, para responder em inglês, o tradutor passar em português para o Rizek. Assim era comigo e com outros que ali personificavam nomes como Nádia Comaneci, Javier Sotomayor, Greg Louganis, Carl Lewis, Bart Connor e nosso eterno capitão do vôlei Nalbert.

O programa foi um show, um espetáculo, algo realmente histórico. Foi destaque na imprensa internacional e recebeu todo e possível prêmio das coberturas olímpicas ao redor do mundo.

Meses depois dos Jogos, fui para uma reunião com meu diretor Raul Costa. Queria discutir o que viria pela frente na cobertura e nossos planejamentos e fui surpreendido. Para o Mundial de Budapeste, “vamos ter Spitz na bancada”. O impacto inicial era de não acreditar, mas agora, depois de ter “sido” Spitz por alguns dias, eu iria ter o prazer e honra de trabalhar com ele.

Emoção a parte, e não dá para esconder, foram dias mágicos. Mark Spitz é um gentleman. Nos seus 67 anos de vida, ele esteve durante todo o tempo acompanhado da sua esposa Suzy. A sua primeira e única namorada, uma companheira de mais de 50 anos, é uma jóia como pessoa.

Diariamente, a dupla, Spitz e Suzy chegavam cedo para as finais. Era minha função dar aquela “atualizada” com Spitz. Passava a ele detalhes das eliminatórias, projeções para as finais. Ele, incrivelmente apaixonado pelo esporte que tão bem praticou, já começava ali a discutir, comigo mesmo, como se estivéssemos no ar.

Minutos depois, estávamos ao lado de Milton Leite e entrávamos ao vivo para discutir o dia que teríamos pela frente. Era assim, todos os dias, antes de começar, e após as finais. Só que a discussão não terminava ali, Spitz queria falar mais, conversar mais, discutir mais. Suzy ainda tentava, sem sucesso, trocar de assunto, Spitz insistia, a natação está na “nossa veia”.

Nas manhãs, na disputa das eliminatórias, Spitz e Suzy não passavam a manhã dormindo não. Janaina Xavier e a produção de seu programa rodava Budapeste com a dupla em cenas nos principais pontos turísticos da cidade. Os dois, sempre animados e dispostos, tiveram dias de muito trabalho levando a nossa cobertura a um nível que jamais havia sido feito em transmissões de campeonatos mundiais.

Falo com entusiasmo e emoção daqueles dias. Imagina você, um herói de sua infância, um ídolo, uma referência mundial do esporte, agora é seu companheiro de trabalho, e mais que isso, te pede ajuda, informações, conversa e não para de conversar como se fossemos amigos e conhecidos há anos.

No último dia do Mundial de Budapeste foi um dia meio melancólico. Choviam mensagens e pedidos do Brasil. Uns pediam uma foto, outros um vídeo, autógrafos, o que fosse possível, Spitz não era só o meu ídolo. Ele, de maneira cordial e carinhosa, atendeu a tudo, a todos.

Aqui se registre que dois grandes nomes da natação mundial, Florent Manaudou e o australiano Kyle Chalmers, ambos que estavam em Budapeste, mas não para competir, não resistiram e foram até a nossa área de transmissão. Queriam uma foto, uma conversa, um tempo com Spitz. Este, os recebia com carinho, e meta conversa sobre natação, que paixão!

Ao final da transmissão, estávamos todos exaustos. Mas o sentimento do bom trabalho era unânime. Os elogios não paravam de chegar vindos do Brasil. Naquela mesma noite, nos reunimos todos, TV Globo, SporTV, Globoesporte.com, elenco e equipe técnica, e claro, Spitz e Suzy.

Uma confraternização que nos uniu ainda mais. Os sorrisos e o sentimento de satisfação estavam em todos presentes. As fotos, os discursos, as brincadeiras. Alternavamos inglês e português para atender a todos e fazer daquele momento nossa última memória de uma grande cobertura.

 

A festa de encerramento do Mundial Budapeste 2017

 

Tenho certeza de que se você assistiu o Mundial de Budapeste 2017 deve ter boas lembranças, mas saiba que ter estado lá, ao lado de Spitz e de Suzy, foi ainda melhor.

Neste 10 de fevereiro, Mark Spitz completa 70 anos, e muito vai se falar sobre as suas medalhas, os seus recordes, as suas conquistas. Eu vou preferir relatar as suas conversas, a sua companhia e o seu brilho. Obrigado por ter nos proporcionado tudo isso.

Happy birthday Mark!

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