Tudo começou na semana passada, Poliana Okimoto, nossa única medalhista dos esportes aquáticos nos Jogos Olímpicos do Rio 2016, publicou um longo e duro texto nas suas redes sociais (link). É uma reflexão que ganhou grande repercussão com outras nadadoras também se manifestando.

O texto cita a viagem da Missão Europa onde apenas uma nadadora brasileira está na delegação, por sinal, Viviane Jungblut que nem embarcou ainda, só vai em agosto por isso a sua ausência na foto que mostrava o time embarcando e só apareciam homens.

Muito mais do que “embarcar mais mulheres” na viagem para Portugal, o texto traz uma discussão que precisa ser olhada com mais cuidado e preocupação. Poliana fala com propriedade, ela vivenciou tudo isso até atingir ao máximo que uma carreira esportiva pode trazer, uma medalha olímpica.

Ela chega a falar “me perdoem o desabafo”, mas na verdade foi algo que muitas gostariam de dizer e ainda bem que sua postagem detonou outra série de comentários, curtidas e compartilhadas.

Abrindo esta semana, foi Joanna Maranhão, outra nadadora aposentada, e grande destaque da natação feminina do Brasil. Nenhuma outra mulher foi para tantas Olimpíadas como Joanna, foram quatro, e ela, junto com Piedade Coutinho em 1948, possuem as melhores colocações das mulheres brasileiras em Jogos, quinto lugar.

Joanna e Poliana falam do coração, da experiência, dificuldade, e conseguem enxergar o problema sob uma ótica mais profunda, como precisa ser abordado. O fato de termos poucas nadadoras na Missão Europa em Portugal não é a causa de tudo isso, é a consequência, é assim que precisa ser abordado.

Aqui precisamos descrever quais foram os critérios que levaram a formação da Seleção enviada pelo COB e CBDA para este training camp em Rio Maior. Segundo o boletim publicado, os atletas que atingiram marcas “A” estabelecidas pela FINA/COI ganharam este direito junto com os integrantes dos revezamentos 4×100 e 4×200 metros nado livre. Nestes dois revezamentos foram incluídos um nadador reserva.

No levantamento apresentado, pouco mais de 20 atletas estariam nesta condição, apenas duas mulheres, Viviane Jungblut pelos 1500 metros nado livre e Etiene Medeiros pelos 50 livre e 100 costas. Etiene optou por não aceitar a convocação, fez uma opção junto com seu treinador e decidiu permanecer treinando no Brasil. Viviane viaja com seu técnico Kiko Klaser no grupo que embarca no dia 8 de agosto.

Embora os critérios apresentados mostrem “condições iguais” para homens e mulheres, há de se reconhecer que o problema da natação feminina no Brasil precisa de uma abordagem de “condições especiais”, numa perspectiva maior e mais profunda.

Foi bom que a discussão e postagens não só recebeu apoio e despertou interesse da comunidade como também gerou uma reunião da diretoria da CBDA com algumas das principais nadadoras do país.

Na interpretação das meninas, o revezamento 4×100 metros nado livre feminino do Brasil, que hoje está entre as 4 vagas da repescagem, teria o mesmo direito de estar presente nesta seleção. Um fator positivo aqui é que nenhuma das três nadadoras que estavam neste encontro virtual com a direção da CBDA, estariam nestas vagas, o que mostra uma reinvidicação bastante apropriada e isenta. Sem entrar em detalhes, para não criar melindres, o grupo também fez algumas contestações indicava nomes de atletas que teriam tido uma certa preferência na convocação, coisa que não tem sido verificado para as convocações das mulheres.

Como citei acima, precisamos reconhecer que a natação feminina do Brasil precisa de uma atenção maior. “Condições iguais” não vai resolver o problema, precisamos trabalhar nas “condições especiais”, sendo que seria muito superficial pensar que aumentar o número de atletas para uma viagem da Seleção vai resolver o problema.

Isso é muito mais profundo! A Best Swimming publicou hoje (link) um artigo onde mostra que mulheres representam 40% do total de atletas da natação brasileira em 2019. Mesmo sendo maioria da população deste país, as mulheres estão em desvantagem no nosso esporte. De todas as categorias, só tem mais mulher do que homem no Pré-Mirim, onde nem competição oficial da CBDA tem.

Não é só na Seleção Brasileira Principal que os resultados dos homens são mais expressivos do que das mulheres. Das 14 medalhas olímpicas de nossa história aquática, só uma veio delas, Poliana Okimoto e seu bronze de 2016. A diferença técnica também se vê na Seleção Júnior, na Seleção Juvenil.

Tem menos mulheres do que homens nadando no Brasil, como também tem muito menos treinadoras do que treinadores. Lembro que no ano passado, no Campeonato Brasileiro Infantil de Verão, em Porto Alegre, chamei as treinadoras para uma foto. Entre mais de 100 profissionais presentes, consegui reunir uma dezena ou pouco mais que isso.

A diferença entre homens e mulheres também está nos cargos de gestão da natação brasileira. Somos 27 federações estaduais, apenas três, Roraima, Rio Grande do Norte e Espírito Santo, tem mulheres na presidência.

A discussão é longa, e necessária. Por isso insisto em que somente colocar mais mulheres nesta ou naquela ação, podem representar resultados inócuos. Precisamos buscar opções para reparar algo que é histórico, é cultural, é profundo.

Se alguém chegou neste texto até aqui, vai se perguntar ou me perguntar, qual a solução? Não sei, mas sei que a discussão precisa ser feita até mesmo para encontrarmos um caminho e um tratamento mais adequado.

Lembro que neste final de semana, tivemos a disputa da Copa Brasil Virtual de Natação. Na formulação do regulamento, ficou determinado que escolheríamos apenas a melhor performance de todo o evento que foi realizado em 24 diferentes polos, reunindo pouco mais de 500 atletas. No domingo, quando discutíamos o nome a ser escolhido, o treinador José Gehilson Silva foi incisivo em colocar um homem e uma mulher. É assim que se faz, aos poucos, todos nós, precisamos repensar e melhorar.

Aqui ainda cito o Almirante da Marinha Americana, William H. McRAven comandante das operações especiais que perseguiram e mataram Osama Bin Laden. Em 2014, numa formatura de cadetes, no Texas, McRaven citou que “se você quiser mudar o mundo, comece arrumando a sua cama”.

Esta mensagem final é para mim, para você, para todos nós, seja profissional, gestor, dirigente, pai de atleta, atleta, não espere pela CBDA, ou a Federação de seu estado fazer alguma coisa. Comece pelo seu clube, pela sua equipe, no seu treino. Você tem treinadoras na sua comissão técnicas? As atletas recebem o mesmo tratamento e reconhecimento dos meninos? Será que não dá para incrementar o número de nadadoras deste país? A Best Swimming e o Blog do Coach destacam as mulheres no mesmo nível que os homens?

Eu poderia ficar aqui escrevendo por horas e horas, com mais números, dados. A discussão não pode parar, e isso vai ajudar ainda mais neste processo, mas precisamos deflagrar isso. Todos podemos fazer algo, já passou da hora para começarmos.

Elas têm razão!

Alex Pussieldi, editor chefe Best Swimming.

10 respostas
  1. Alex Pussieldi
    Alex Pussieldi says:

    É que você usou o exemplo de Hong Kong como paralelo, e levar um revezamento para o Mundial de Gwangju, não existe marca mínima pela FINA. O exemplo utilizado foi incorreto, só isso.

  2. Eu mesmo
    Eu mesmo says:

    Bom Dia Coach!
    Eu, como participo e acompanho com assiduidade a natação brasileira, sabia que Brasil não teve revezamento feminino no Mundial de Gwangju, porém, porque nossas nadadoras não cumpriram os critérios e índices estabelecidos pela CBDA para competirem em Gwangju.
    O critério para o 4×100 ir a Gwangju era: Os 4 melhores tempos da final A do Troféu Maria Lenk p/ os revezamentos feminino e masculino, desde que a soma dos tempos desses 4 atletas fosse igual ou inferior ao sétimo tempo da final do mundial em Budapeste em 2017 (vide abaixo) e desde que os quatro integrantes desses revezamentos tivessem obtido, dentro da final A do Troféu Maria Lenk/2019, o índice A da FINA, para o evento:
    índice da CBDA para o 4X100 Livre feminino 3.38.24.
    O fato é que somente a Etiene Medeiros conseguiu o índice A da FINA para o 100m livre feminino, ao passo que no masculino, todos o 4 nadadores do revezamento conseguiram o índice A da FINA. Nem Daynara, nem Larissa, nem Manuella, nem Camila, nem Andressa, nem Natália conseguiram o índice A da FINA no Maria Lenk/2019. Além disso, o somatório dos tempos das 4 primeiras colocadas nos 100m livre do Troféu Maria Lenk passou muito longe do índice exigido pela CBDA para o 4×100 livre.
    Logo, não teria mesmo como o 4x100m feminino competir em Gwangju, já que não cumpriu nem o critério do tempo individual de cada atleta e nem o critério do tempo somado de todo o revezamento. Sendo assim, não é justo privilegiar quem não conseguiu seus índices. Etiene Medeiros e Viviane Jungblut foram a Gwangju por méritos próprios, pois se dedicaram e conseguiram seus índices fazendo um bom trabalho. Resta às demais trabalharem duro como Etiene e Viviane para conseguirem seus índices e fazerem jus à convocação.

  3. Alex Pussieldi
    Alex Pussieldi says:

    Toda opinião é válida, seja a favor, ou contrária. Por mais crítico que venha a ser seu posicionamento, é sua opinião. Sem ofensa, tudo é válido. Porém, um pouco de informação evitaria incorreções na sua postagem. Hong Kong tem revezamento classificado pois disputou o Mundial de Gwangju, o Brasil não mandou revezamento feminino para a competição, assim, é impossível que tivesse algum revezamento classificado.

  4. Eu mesmo
    Eu mesmo says:

    O fato é que Hong Kong, que tem a população parecida com a da cidade do Rio de Janeiro, tem muito menos nadadoras que o Brasil, porém Hong Kong conseguiu classificar dois revezamentos femininos, o 4x200m livre e o 4x100m livre, para a Olimpíada de Tóquio, enquanto o Brasil não classificou nenhum.
    Não é vexame para a fraca natação feminina brasileira dois revezamentos de Hong Kong já estarem classificados para a Olimpíada de Tóquio enquanto o Brasil ainda não tem sequer um revezamento feminino classificado?
    Vale ressaltar que Hong Kong tem apenas 7 milhões de habitantes e um número muito menor de nadadoras que o Brasil que tem mais de 210 milhões de habitantes, a população do Brasil equivale a 30 vezes a população de Hong Kong e as poucas nadadoras de Hong Kong já garantiram suas equipes de 4×100 e 4×200 livre na Olimpíada de Tóquio enquanto a natação feminina do Brasil ainda está de fora.
    O problema da natação feminina brasileira não é de quantidade e, sim, de falta de qualidade, falta de treinar mais, falta de vontade de ficar com um corpo “MUSCULOSO” como o da jamaicana Alia Atkinson, o da húngara Katinka Hosszu ou o da holandesa Ranomi Kromowidjojo, entre outras coisas… Em todos os clubes que treinei, não vi diferença de tratamento entre homens e mulheres nos treinos de natação, porém, vejo os homens se dedicarem mais nos treinamentos fora d’água, se dedicaram mais na musculação. Se quiserem competir em alto nível com nadadoras extremamente fortes e musculosas dos outros países, as brasileiras têm que se dedicar mais, depende mais delas próprias do que qualquer outra coisa.
    Os critérios de convocação da CBDA para os treinamentos em Portugal foram bem justos e isentos, quem conseguiu o índice Olímpico em 2019 foi convocado para ir a Portugal. Acho muito coerente. O que faltou então? As mulheres conseguirem seus índices, pois se umas 20 nadadores tivessem com índice A olímpico, elas estariam treinando em Portugal, porém, elas não conseguiram. O critério da CBDA não privilegiou nem Homem nem Mulher, nem negro, nem branco, nem índio, nem cirstão, nem espírita, nem judeu, pois o critério foi simples e objetivo: quem conquistou o índice vai treinar em Portugal e pronto!
    O revezamento 4×100 m livre feminino do Brasil, ao contrário das meninas de Hong Kong, ainda não conquistou sua vaga olímpica, então não tem como reivindicar uma convocação para treinar em Portugal.
    Portanto, se as nadadoras do 4x100m livre já tivessem obtido, cada uma, seu índice A para Tóquio, elas seriam convocadas, assim como foram convocadas Viviane Jungblut e Etiene Medeiros. Melhor então treinar mais e obter os resultados do que ficar de chororô…

  5. Renato Pádua
    Renato Pádua says:

    Coach,
    Culturalmente temos uma enorme âncora que nos atrasa não só na natação mas em todos os esportes (isso só pra ficarmos nesse campo) em relação às oportunidades. De estar em evidência como atração à remuneração, tudo é diferente entre meninos e meninas e depois entre homens e mulheres. Fixando o olhar só na performance esportiva, que é o que vai fazer a diferença para isso mudar, digo que precisamos de uma série de providências mas talvez a mais importante delas seja o estímulo, trabalhar desde a base o conceito de que meninas são e podem ser competitivas. Nossas meninas competitivas ao longo dos anos são cada vez escassas, não existe competitividade dentro dos clubes, pouca coisa em níveis estaduais e um leve rascunho em nível nacional quando falamos de categorias. As poucas atletas que chegam ao nível SR foram privadas de toda uma formação competitiva que as estímule a buscar melhor performance e melhor resultados. As meninas de destaque nos poucos clubes do Brasil se obrigam a treinar com os meninos para continuar evoluindo, forma-se uma atleta individualmente, mas não chega nem perto de um ambiente competitivo de fato que promova um desenvolvimento natural. Assim, como você, não sei o caminho certo, mas que precisamos fazer algo… ah, sim precisamos, urgentemente.

  6. Insider
    Insider says:

    Coach, quem sabe todos os demais nadadores (mulheres e homens) que estao lutando pela vaga olimpica podem estar em desvantagem na preparacao ja que nao estao recebendo essa atencao especial nessa viagem.

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