O único nadador brasileiro que treinou em alto nível na natação húngara, Rogério Karfunkelstein, volta ao país, agora como treinador do mais jovem atleta da delegação brasileira. Kafu passou dois anos de sua carreira no país e revela a Best Swimming a experiência por lá.

BEST SWIMMING – Como foi esta passagem pela Hungria e como eram os treinos na época?
ROGÉRIO KARFUNKELSTEIN – Minha experiência como atleta na Hungria ocorreu entre 1998 e 2000 e foi algo sensacional. Digo que foram os melhores momentos que vivi como atleta, treinei no clube Honved com o treinador Jozsef Nagy, que foi treinador do campeão olímpico e recordista mundial dos 200 peito Mike Barrowman e atualmente é o técnico de Daniel Gyurta. Os treinos foram duríssimos, séries imensas de peito com um volume semanal muito alto. Os húngaros tem uma escola muito famosa de medley e peito, são muitos campeões olímpicos e mundiais e um sistema de treinamento muito particular. Eles, desde criança, são muito sérios e trabalhadores. Não existe espaço para brincadeiras. Na maioria das piscinas que conheci, os pais não tinham acesso aos treinos. Todos, desde pequeno, trabalham muito e muito sério. O país como um todo, não tinha mais nadadores que o Brasil, mas a qualidade deles era absurda, e certamente é fruto dessa filosofia de trabalho sério e muito dura.

BS – De quem foi a idéia de ter vindo para a Hungria e como foi feito o contato?
RK – Em 1998 a FARJ me consultou sobre a possibilidade de trazer um treinador estrangeiro para ministrar um curso no Brasil. Eu, naquele momento questionava muito o porque do nado peito no Brasil ser tão defasado. A FARJ foi buscar o Nagy que durante uma semana esteve ministrando um curso para treinadores e algumas sessões práticas para os nadadores de peito do Rio de Janeiro. Coincidência ou não, o nado de peito começou a evoluir após isso. De tudo que foi dito por ele, acredito que a semente que foi plantada foi a da necessidade de se fazer um trabalho específico com os peitistas. Ao final do curso, Nagy convidou alguns nadadores de peito para treinarem um período com ele na Hungria e acabamos indo somente eu e o Alan Pessoti. Eu gostei e acabei ficando muito mais tempo la depois

BS – Que características você destaca da vivência que teve na Hungria primeiro como atleta e hoje que benefícios você vê como treinador?
RK – Como eu disse antes, os húngaros são muito sérios e treinam muito. A Hungria é um país pequeno mas com grande sucesso olímpico. Não gozam de estruturas muito modernas de treino por isso enalteço demais o trabalho que eles fazem. Uma coisa me chamou bastante atenção no clube que eu treinei. Após o treino da equipe principal entravam na piscina o último nível da escolinha de natação do clube. Meu técnico um dia me apontou um senhor e perguntou se eu o conhecia ele. Respondi que sim, era o professor da escolinha. Ele me falou que esse era o responsável por descobrir grandes nadadores da historia da natacao hungara, dentre alguns a Kristina Egerzegy. Eu falei para meu treinador que no Brasíl os professores de escolinha eram sempre novos, alguns recém formados. Ele me disse que lá eram os mais experientes pois a necessidade e responsabilidade de se encontrar e formar um grande talento era mto importante para o sistema deles e que o professor deveria ter muita experiência para saber conduzir bem esse talento. Isso me marcou. É algo coerente demais e que não vivemos aqui. Além disso, serve de grande inspiração para mim hoje, a forma séria e comprometida como eles trabalham.

BS – Como é voltar ao lugar onde você passou um tempo treinando e agora com atleta participando do Mundial?
RK – É especial. Eu falei para o Gui (Guilherme Costa) quando foi anunciado Budapeste como sede desse mundial: tenho um fator motivacional extra aí, quero q você conheça a cidade que fez parte da minha história e escreva um capitulo da sua no mesmo lugar. Alem disso a possibilidade de rever a cidade e grandes amigos também e muito especial.

BS – Guilherme tem conseguido nadar bem em temporada, o que está faltando quais os ajustes para fazer o seu melhor na hora certa?
RK – O trabalho com o Gui vendo sendo feito em blocos de desenvolvimento principalmente desde 2014. Temos objetivos travados para cada uma dessas fases. E e ele estabelecemos as metas e começamos a construir o resultado final. Existem periodos onde o volume mais alto, outros mais qualidade. Mas tudo dentro do planejamento sem pular nada. Isso credencia ele a crescer com alicerces sabendo o que fez para atingir e o que precisa fazer ainda. Eu coloco esse momento como sendo a fase final de realização desse 1o grande bloco. Após o mundial, iniciaremos um novo grande ciclo focado na Olimpíada.
Tudo que ele está realizando hoje com relação às parciais e tempo final, começou a ser construído lá atrás. Da mesma forma que, após o Mundial, vou começar a construir o que eu quero em 2020. Então, para mim, ele está nadando bem na hora certa
Está sendo muito natural e um indicador bastante fidedigno de que estamos certos é o fato dele estar nadando nesse nível repetitidamente.
Eu acredito que ele pode nadar abaixo de 15, pois o q faz no treino nos prova isso, mas isso nao me preocupa.
Nadar um 1500 perfeito não é simples. São diversos pontos importantes que podem desestabilizar o resultado final.
No Maria Lenk, por exemplo, ele fez a competição da vida dele. Nadou um 400 perfeito dentro do que estabelecemos no dia seguinte fechou o 4×200 com 3 segundos a menos que o seu tempo anterior. Chegou para nadar o 1500 com uma motivação muito grande uma vontade absurda. Foi com muita sede ao pote mas tenho que enaltecer e muito isso. Não conheco muitos que no alto nivel nadam o 1500 com a coragem que ele nadou lá. Na oportunidade seguinte que tivemos ele ajustou e foi la bater o recorde sul-americano de novo.
No meu entender quanto mais vezes ele nadar essa prova em altissimo nivel mais ele melhorara na execução da mesma.
O que eu vejo que falta é ainda um pouco de experiência dele em nadar competicoes com formato de competição internacional (Mundial e Olimpiada). Nessas o 1500 é no último dia e ele precisa administrar a competicao tpda ate chegar no dia da prova. O Maria Lenk foi a 3a vez na vida dele dentro desse formato e para nós foi a que ele melhor produziu na competicao como um todo

Campeonato Mundial de Desportos Aquaticos. Duna Arena. 24 de Julho de 2017, Budapeste, Hungria. Foto: Satiro Sodré/SSPress/CBDA

BS – Quais os pontos que você identifica que Guilherme ainda pode melhorar na sua prova?
RK – O miolo da prova, não é falta de capacidade de segurar o parcial e sim um pouco mais de concentração técnica), fundamentos que já estão melhores, mas longe do que eu quero, força, ele iniciou após o Maria Lenk um trabalho mais sério de força fora da água. Antes, só fazíamos fortalecimento, algo que para mim tem que evoluir todo dia e sempre, que é a técnica.
Alem disso pela progressao do trabalho alguns ajustes no treino dele serão feitos agora que sei que está pronto para suportar e que farão ele evoluir também são series com distâncias de 400,800 e 1500 na piscina longa na mesma qualidade que ele ja faz em piscina curta

BS – Sei que você é um estudioso, mas estes tempos e a classificação estava na previsão e no programa de trabalho?
RK – Sim, estavam. Em 2015 eu falei para o pai de um atleta meu que estava impressionado assistindo ele treinar para o Mundial Núnior, que ele seria o 1o nadador brasileiro a baixar de 15.05, mas que ainda não estava pronto e que isso ocorreria no final desse 1o grande ciclo da carreira dele, ou seja, 2017. Nós acertamos! Terminar esse grande ciclo abaixo de 15, hoje não é o mais importante. Travamos objetivos lá atrás e alcançamos. Estamos prontos para treinar mais. Ele ainda está bem longe do ápice e isso me motiva muito a trabalhar mais e mais. O próximo grande ciclo tem como objetivo colocá-lo no patamar da elite do fundo mundial. Capacidade ele tem, estamos em evolução e sou fiel ao meu planejamento. Pressa nunca foi parte disso. Mas agora chegou a hora de incrementar o programa em alguns aspectos que tenho certeza que ele reagirá mto bem.

BS – Guilherme é muito exigente com ele mesmo, ele não se intimida em dizer quando algo foi bom ou ruim, isso é bom, mas também pode ser um bloqueio na parte emocional dele, como você tem trabalhado isso?
RK – Guilherme é um cara absurdamente competitivo. Ele aceita desafios e é capaz de se colocar em níveis mto altos para atingir. Porém, por ser tão jovem, ainda precisa de mais experiência e maturidade. Precisa ser testado na dificuldade, para aprender.
Ele nao fica satisfeito qnd não atinge o qUE planejamos, mas também é extremamente capaz de enxergar e aceitar aonde errou.
Hoje a RKF (meu time) tem uma estrutura multidisciplinar que ajuda muito. Temos um coach de performance que junto comigo trabalha demais esses fatores inerentes ao resultado.
Buscamos organizar a natacao como um todo do Gui para que ele entenda como a alta performance é uma questão complexa.
O Gui, hoje, sabe exatamente o que precisa fazer para atingir o seu 100%. Nós sabemos que ele tem lastro para atingir degraus mais altos. Estou muito feliz com o q ele conseguiu até hoje, mas também muito motivado e preparado para o que vem pela frente.

3 respostas
  1. ALEXANDRE ANDRADE
    ALEXANDRE ANDRADE says:

    Parabéns Kafu!!! Você sempre foi um apaixonado pela natação e esse seu sucesso é fruto disso. Desejo mais sucesso ainda e grandes resultados no trabalho com o Guilherme!!!
    Grande abraço,
    Boni

  2. ALBERTO SILVA
    ALBERTO SILVA says:

    Engraçado que hoje eu estava exatamente conversando sobre os treinos de fundo no Brasil com o Kafu e fiquei impressionado como ele planejou toda a evolução dos trabalhos, realmente digno de aplausos.
    No final disse a ele que num outro momento quero marcar uma nova conversa com mais tempo e tranquilidade e aprender mais um pouco.
    Boa Kafu, parabéns!

  3. Márcio S
    Márcio S says:

    Fiquei admirado com essa entrevista. Que técnico racional, mostrando que planejamento é tudo. Deu pra perceber que não é um técnico de “ciclos de 6 meses”. O cachorrão vai longe desse jeito, e parece que teremos um dos melhores técnicos do país.

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