Em junho do ano passado, Congresso da então FINA, em Budapeste, na Hungria, foi aprovado por 71,5% dos participantes a primeira regra de monitoramento e participação dos atletas transgêneros nos esportes aquáticos, aliás de todas as modalidades esportivas. Na época, este espaço não mediu elogios ao fato dos esportes aquáticos terem sido os pioneiros de um movimento de regularização no tema.

Embora com alguma resistência de parte da comunidade, as novas regras aprovadas determinaram que a fase de transição do atleta masculino para o feminino precisam ser iniciadas antes da puberdade, o chamado Tanner Stage 2, e seguir um rigoroso monitoramento. Não é a toa que a regra deliberada pela World Aquatics virou modelo e referência internacional, copiada quase na íntegra por uma série de outras federações internacionais do esporte.

Ainda em Budapeste, uma decisão recebeu nossa crítica: a ideia da criação da categoria Open e uma respectiva competição para ela. Lá mesmo identifiquei que tal iniciativa carecia de qualquer sentido e, o pior de tudo, não era solicitação ou apelo de qualquer atleta ou filiado neste sentido.

Até mesmo na publicação da regra, a própria FINA reconhecia (textualmente) que não existia, nem nunca existiu, um só nadador trans federado a entidade.

Para mim, o pior de tudo não no estabelecimento das regras, super necessário, mas a falta de consulta a todas as partes. Sim, a então FINA montou um grupo especial de trabalho, que por meses teve discussões, pesquisas e realizou muitas entrevistas e reuniões. Porém, neste grupo com tantas pessoas importantes e qualificadas, não havia um só representante de atletas trans, ou alguém diretamente identificado com a causa.

A regra necessária e elogiada pela grande maioria deu certo. Funcionou, serve de modelo e ninguém contesta. A ideia do “Open Category” e uma competição veio sem a discussão dos comitês técnicos da World Aquatics e jamais consultadas as federações nacionais.

O que aconteceu esta semana era esperado. O primeiro Torneio Open Category que aconteceria na disputa da Copa do Mundo de Berlim, na Alemanha, foi cancelado, nenhuma inscrição foi submetida. Nenhuma!

Nenhum atleta trans ou cis se interessou em disputar o torneio oferecido pela World Aquatics e que solicitava aos participantes que fizessem suas inscrições via email. Zero interesse!

Zero participantes no Torneio Open Category não é muito diferente de zero nadadores federados trans em 2022. Esperar que um ano depois, sem qualquer tipo de movimento ou até mesmo interesse, esperar resultado distinto disso não faz o menor sentido.

Quem disse que os atletas trans querem um torneio de alto rendimento disputado neste formato dentro da Copa do Mundo? Quantos atletas ou representantes desta classe ou apoiadores da causa pediram ou concordaram com isso?

Há algumas semanas, conversei com um dos vice presidentes da World Aquatics. Ele insistiu que a iniciativa talvez não funcionasse agora, mas em alguns anos poderia ter outro tipo de resposta. Sinceramente, duvido muito.

Da mesma forma que a regra foi boa e deve ser elogiada, esta ideia foi ruim e fracassou. Tenho minhas dúvidas se algum atleta trans estivesse em busca de ter um tipo de torneio organizado pela World Aquatics neste formato. Tenho muita dúvida mesmo.

Até mesmo Lia Thomas, a tão discutida e controversa nadadora trans que se tornou campeã do NCAA no ano passado não é federada pela USA Swimming desde 2017.

No comunicado de hoje (03/10/23), necessário por sinal, a World Aquatics informa que a iniciativa não despertou interesse e ao identificar o zero número de inscrições faz uma sugestão de que tal oportunidade possa a vir ser disputada na natação masters, onde, sem qualquer tipo de dado, embasamento ou informação concreta, “possa ter melhor acolhimento”.

O tema trans é sempre controverso, em todos os níveis e esferas. Dificilmente se consegue fazer uma discussão de alto nível sem os tradicionais radicalismos de parte a parte, que não raramente terminam em ofensas ou discriminação. O fato é que depois de “marcar um golaço” no ano passado, hoje ficou provado que a World Aquatics fracassou feio neste novo intento.

Para terminar, uma opinião. Antes de qualquer competição de alto nível dentro da World Aquatics, as pessoas que fazem o esporte aquático e se identifiquem como trans, precisam de respeito. Já seria um grande primeiro passo.

Alex Pussieldi, editor chefe Best Swimming.

Veja aqui o comunicado da World Aquatics:

https://www.worldaquatics.com/news/3715191/update-on-the-open-category-competitions-at-the-world-aquatics-swimming-world-cup-berlin-2023